João Cabral de Melo Neto nasceu no Recife, no dia 9 de janeiro de 1920. Nesta quinta-feira (9), portanto, se vivo estivesse, completaria 100 anos. Era filho de Luís Antonio Cabral de Mello e de Carmen Carneiro Leão, e, depois de adulto, resolveu grafar o "Melo" de forma mais simples.
Considerado um dos mais importantes poetas de língua portuguesa, João pertencia a uma família com muitos nomes ilustres: era primo, por parte de mãe, do sociólogo Gilberto Freyre (cuja mãe, Francisca, era irmã de Maria Olindina, avó de João) e do historiador José Antônio Gonsalves de Mello (filho de Albertina, irmã de Carmen). Por parte de pai, João também era aparentado do poeta Manuel Bandeira, já que as bisavós de ambos, Ângela Felícia e Cândida Esméria de Lins Albuquerque, eram irmãs.
João adorava genealogia, conforme conta sua filha Inez, e não foi o único famoso na prole de Luís e Carmen. Seu irmão mais novo, Evaldo, o caçula e único remanescente vivo dos cinco filhos do casal, é um historiador destacado, que, assim como João, tornou-se membro da Academia Brasileira de Letras - salvo engano, o único caso em que dois irmãos obtiveram esse destaque.
oão Cabral de Melo Neto publicou 28 livros de poesia e seis de prosa. Foi aos 22 anos, recém-chegado no Rio de Janeiro, que ele lançou o seu primeiro livro, "Pedra do Sono", em 1942. O tom da estreia, com uma inclinação ao surrealismo, no entanto, não seguiu adiante no conjunto de sua obra, tão marcada pela dualidade entre a fluidez dos versos e o rigor da forma. João não fugiu à preocupação social que permeou o imaginário da sua geração pós-Segunda Guerra Mundial.
As fragilidades e fraturas ainda estavam expostas e contrastavam com o desejo dos artistas de experimentar. O cenário exigia rupturas. João ficou conhecido como poeta engenheiro, uma face que pode ser vista na sua obra mais conhecida: "Morte e Vida Severina", um auto de Natal produzido em 1955 - paradoxalmente, um dos livros menos apreciados pelo próprio autor. A precisão da estrutura poética e o teor da sua poesia, real e precisa, dialogavam com tom de ineditismo na literatura. E o seu jogo de palavras revela o refinado processo de construção do poeta.
O rio Capibaribe assume muitas formas na poesia de João Cabral. E é impossível falar em João Cabral sem citar o rio que segue o seu curso por Pernambuco. Em "O cão sem plumas", por exemplo, é o rio que guia a poesia, que se constrói na conversa entre o curso de água natural e gente, bicho, fruta.
"Aquele rio/está na memória/como um cão vivo/dentro de uma sala/Como um cão vivo/dentro de um bolso/Como um cão vivo/debaixo dos lençóis/debaixo da camisa/ da pele", diz trecho de poema da obra, que segue em diálogo com a realidade. O poeta recebeu dezenas de prêmios; entre eles, o Prêmio Camões (1990), o Prêmio Neustadt International Prize for Literature (1992) e o Prêmio Reina Sofía de Poesia Iberoamericana (1994).
Na época de seu falecimento, era cotado para o Prêmio Nobel de Literatura. É membro da Academia Brasileira de Letras (ABL) desde 1969, e da Academia Pernambucana de Letras (APL) desde 1991 (já doente, ele não compareceu à cerimônia de posse na APL). João detestava homenagens, ainda mais na velhice.
"Meu pai sempre preferiu estar invisível na multidão, ficava constrangido quando desconhecidos o abordavam cantando loas", relembra Inez. Em 2005, o poeta foi eternizado no Recife de mais uma forma: ganhou uma estátua na rua da Aurora, com vista para o seu adorado Capibaribe. O monumento integra o projeto Circuito da Poesia, um roteiro obrigatório para qualquer turista na Capital pernambucana.
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