Fincadas na zona rural de Casa Nova (502 km de Salvador), uma das regiões mais inóspitas do sertão baiano, 30 torres eólicas geram uma falsa impressão aos incautos que por ali passam. As torres estão de pé e as pás giram com a força dos ventos, mas não geram um mero kilowatt de energia elétrica.
Concebido para ser o primeiro parque eólico da Chesf (Companhia Hidro Elétrica do São Francisco) no país, o parque Casa Nova I segue sem ter sido concluído nove anos depois do leilão no qual a estatal arrematou o lote. A Folha encontrou no local um cenário de terra arrasada, com turbinas eólicas abandonadas em meio a um terreno rodeado apenas por uma cerca de arame. Ao todo, R$ 400 milhões já foram investidos no complexo.
Com ares de monumento à ineficiência, o imbróglio dá combustível à ala do governo do presidente Jair Bolsonaro (PSL) ligada ao ministro da Economia Paulo Guedes que defende a privatização da Eletrobras e de suas subsidiárias —dentre elas, a Chesf.
A estatal, responsável pela construção e gestão das principais usinas hidrelétricas do Nordeste —como as de Paulo Afonso, Sobradinho e Xingó, no rio São Francisco—, decidiu investir no segmento de energia eólica no final da década passada, ainda durante o governo do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva(PT).
A ideia inicial era erguer três parques eólicos com capacidade instalada de 180, 28 e 26 megawatts cada. O maior deles seria o parque Casa Nova I, cuja autorização para construção foi concedida em 2010, com meta para ser concluído em 2013.
O andamento da obra, contudo, foi prejudicado pela crise da Impsa, empresa argentina contratada pela Chesf para fornecimento e montagem dos aerogeradores que entrou em recuperação judicial em 2011. Das 120 torres previstas para o parque, só 30 foram montadas.
A Chesf dispensou os funcionários que trabalhavam na construção do parque e paralisou as obras. Desde então, o canteiro de obras tem sido alvo de furtos, e equipamentos foram danificados pela falta de manutenção.
Também previstos para o complexo, os parques Casa Nova II e Casa Nova III já foram inaugurados em março de 2018 e operam normalmente, com um potencial para fornecer energia para 57 mil residências. Em nota, a Chesf afirmou que, desde a paralisação em 2014, buscou alternativas de soluções técnicas e jurídicas para resolver o imbróglio.
“Além das dificuldades jurídicas, havia todo um contexto técnico, devido à especificidade das tecnologias utilizadas por cada fabricante do setor, o que dificultava a retomada das obras em campo”, afirmou a estatal.
A empresa disse que a conclusão será feita de forma gradativa e decidiu fazer uma subdivisão em sete parques eólicos, ao invés dos três originalmente previstos. Em diferentes estágios de instalação, eles têm em média 30% de execução física.
De acordo com a estatal, componentes e materiais para os parques já foram fabricados, inspecionados e estão em trânsito para o Brasil. Os trabalhos em campo devem começar até o final do ano, com previsão de conclusão em outubro de 2020.
Sobre os furtos de equipamentos na região, a Chesf informou que registrou ocorrência na delegacia e reforçou a segurança do complexo.
Na cidade de Casa Nova, a obra é vista com pela comunidade como um retrato do desperdício de recursos públicos. E expõe o contraste com uma cidade pobre em que a eletricidade chegou a apenas 74,4% das casas da zona rural.
Separados apenas por uma cerca do terreno onde foram instaladas as torres eólicas que ainda não funcionam, os lavradores Maria Francisca de Jesus, 49, e Adeilson Soares de Sá, 40, vivem há dois anos em uma pequena casa de tijolos aparentes e sem ligação com a rede de energia elétrica.
À noite, o casal usa uma bateria automotiva para iluminar os dois cômodos da casa. Não possuem geladeira, nem televisão.
“Se não fosse essa bateria, a gente estaria completamente no escuro”, diz Maria Francisca, enquanto vê da janela as torres eólicas girarem com os ventos sem gerar energia.
A cena simboliza a contradição dos caríssimos equipamentos de geração de energia eólica ao lado de comunidades pobres com famílias que ainda vivem como no século 19.
A contradição, contudo, não é tão somente simbólica: a energia que seria gerada pelas torres seguiria para o Sistema Interligado Nacional.
A ligação da casa de Maria e Adeilson com o sistema interligado é responsabilidade da Coelba, concessionária de energia que atende a cidade.
A empresa informou que deve atingir a universalização do abastecimento da zona rural de Casa Nova somente até 2021, conforme regulação da Aneel (Agência Nacional de Energia Nacional de Energia Elétrica).
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