A maior especialista do país em danos ambientais está zangada e não é para menos. Yara Schaeffer Novelli, professora doutora da Universidade de São Paulo (USP), vem acompanhando estarrecida as notícias sobre o derramamento de óleo no litoral do nordeste, por motivos diferentes dos da maioria de nós. Segundo suas recentes declarações, nenhum dos diversos recursos disponíveis no Brasil, técnicos, legais e humanos, foram acionados da maneira que se esperaria em um desastre de tal proporções.
A experiência no assunto vem, pelo menos, desde 1983, quando atuou como perita judicial da primeira ação civil pública movida no Brasil por dano ambiental, num rompimento de oleoduto da Petrobras na Baixada Santista. De lá para cá, já publicou mais de 100 artigos científicos e acumula mais de 40 livros no currículo, assinando ora como autora, ora como organizadora das obras. Com a segurança de quem conhece muito bem as estruturas e mecanismos legais de que o país dispõe, ela afirma: “Estamos sendo feitos de tolos”.
Novelli assegura que o Brasil conta com os melhores cientistas para lidar com a situação, técnicos preparados em órgãos governamentais estratégicos, satélites de alta precisão e uma série de leis, há tempos formuladas, que explicitam o be-a-bá do que deve ser feito em um momento assim.
“Está tudo lá, mastigado”, diz a professora, referindo-se à Lei 9.966, de 2000, a qual estabelece, tim-tim-por-tim-tim, as ações a serem tomadas quanto à prevenção, controle e fiscalização de poluição causada por derramamento de óleo e outras substâncias em águas brasileiras.
A lei abrange princípios básicos para todos os tipos de embarcações, portos, plataformas e instalações, nacionais ou estrangeiros, em águas brasileiras. Descreve também as providências a serem tomadas a partir dos primeiros registros de aparições de óleo, incluindo o método para a classificação, prevenção e transporte das substâncias. A legislação explicita, também, de quem é a responsabilidade no mapeamento das áreas ecologicamente sensíveis, visando protegê-las.
Além de todas essas instruções contidas na Lei 9.966, Novelli explica que o Brasil dispõe, ainda, das chamadas Cartas SAO (Cartas de Sensibilidade Ambiental a Derramamentos de Óleo), que orientam o mapeamento.
“As Cartas SAO identificam a sensibilidade ambiental que deve ser protegida, os recursos biológicos sensíveis ao óleo. Está tudo lá, cheio de figurinhas, mapa, bichos, atividades socioeconômicas que podem vir a ser prejudicadas”, enfatiza a professora.
Segundo ela, não foram tomadas nem mesmo medidas muito simples e baratas, como colocar palha de coqueiro nas praias para absorver o óleo. Quanto aos recursos humanos e tecnológicos, Novelli critica o governo federal e o Ministério do Meio Ambiente não só pela ignorância e morosidade na atuação, mas também questiona as causas do silêncio de técnicos que, ela garante, são preparados para agir adequadamente em situação assim:
“Será possível que não fizeram nada disso? Eu, uma idosa de 76 anos, fico sabendo disso e o seu ministro do Meio Ambiente não sabe? Por que ele não perguntou aos técnicos do ministério, Ibama, ICMBio, que são competentes? E isso eu afirmo e assino embaixo” […] “Estou realmente abismada e aborrecida. Estamos passando para os brasileiros, que ouvem essas notícias há mais de um mês, que a gente paga aos pesquisadores que não sabem dizer nada. Não posso ver uma coisa dessas e não reagir. Temos obrigação legal e cidadã de tentar contribuir e colaborar. Fomos financiados a vida inteira pra fazer uma devolutiva para sociedade”, argumentou.
Crítica, inclusive, à maneira como a sociedade vem sendo informada (também nesse caso há determinações legais em relação à forma como proceder), ela chega a suspeitar de uma “ação orquestrada” para que não se chegue aos verdadeiros responsáveis:
“Começo a desconfiar que existe uma ordem superior para que não se manifestem. Essa mudez total, esse silêncio, só podem ser orquestrados. O Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) se calou, mas eles têm oceanógrafos físicos e pessoal especializado em estudo de imagens de satélite de primeira qualidade […] “Como alguém vê as manchas chegarem às praias e não aciona as imagens dos satélites? Elas dizem onde as manchas estavam ontem, onde estavam antes de ontem… Elas estão aí para isso. Acho impossível não terem feito. Se alguém foi impedido de divulgar, isso é muito sério”, disparou a cientista da USP.
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