Trabalhadores temporários das lavouras de frutas no Nordeste estão submetidos a práticas degradantes de trabalho e baixos salários, apesar do setor de fruticultura ser composto por empresas estruturadas e com diversas certificações. A conclusão é do relatório “Frutas Doces, Vidas Amargas”, divulgado nesta quinta-feira (10) pela Oxfam Brasil - organização independente e sem fins lucrativos.
“Muitas empresas que têm diversas certificações importantes como Rainforest, Fair Trade ou Global Gap, que é específica para as cadeias dos supermercados, mesmo em empresas certificadas, a gente ainda encontrou - apesar de não ser algo sistêmico - casos de práticas muito ruins e até degradantes de trabalho, principalmente contaminação por agrotóxico, intimidação, às vezes falta de banheiro, falta de refeitório, ou seja, infraestrutura inadequada”, disse Gustavo Ferroni, da Oxfam, responsável pelo relatório.
A Oxfam Brasil analisou as cadeias de três frutas importantes - melão, uva e manga - no Rio Grande do Norte (RN) e no perímetro irrigado do Vale do São Francisco (Petrolina e Juazeiro). “O que a gente viu é que essa fruticultura que está lá é bem desenvolvida tecnologicamente, ela é capaz de atender os mercados mais exigentes do mundo, mas em termos de desenvolvimento local os resultados são bem insuficientes”.
As frutas que chegam à mesa dos brasileiros e também ao exterior geram cerca de R$ 38,9 bilhões por ano, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mas não são capazes de garantir condições regulares a grande parte dos trabalhadores do campo.
“Vimos que existe uma situação de vulnerabilidade muito grande dos trabalhadores safristas [temporários] e que eles vivem na pobreza. Isso foi muito surpreendente porque a cadeia de frutas é razoavelmente organizada, com alto índice de formalização, mas o que constatamos foi que praticamente metade [dessas pessoas] trabalham menos de seis meses por ano e não tem outras oportunidades na região”, disse Ferroni.
A safra de melão, uva e manga dura até seis meses, para os quais há o regime de trabalho temporário. No entanto, grande parte dos trabalhadores dessas regiões não conseguem outra fonte de renda no restante do ano, devido à falta de oportunidade local. Portanto, a renda do período de safra servirá para o sustento durante o ano todo.
A partir dessa realidade, a Oxfam dividiu pelos doze meses do ano o valor recebido pelos trabalhadores safristas no período da safra de melão, manga e uva, o que resultou em um valor médio mensal de R$ 687,88, R$ 593,50 e R$ 590,96 respectivamente, todos abaixo do salário mínimo atual, de R$ 998. “A renda que eles têm do trabalho da fruta deixa eles entre os 20% mais pobres da população. Se eles não tiverem nenhuma outra renda no ano, é assim que eles vão estar”, disse Ferroni baseado na Pesquisa Nacional por Amostras (Pnad-IBGE).
O relatório trouxe a história de Carmem Priscila Silva Souza, 25 anos, que durante cinco meses do ano – período de safra – acorda às 5 horas da manhã, para trabalhar na produção do melão no Rio Grande do Norte. “Se eu não arrumar outro trabalho, fico esperando até começar outra safra. Nesse último ano eu só fiquei em casa mesmo”, declarou Carmen, que é casada e mãe de um casal de gêmeos de 4 anos, à Oxfam. Quando está empregada, ela recebe R$ 998.
Uma das soluções apontadas por Ferroni seria aumentar a renda dos trabalhadores durante a safra para que eles possam se preparar financeiramente para o resto do ano. Outra sugestão é o desenvolvimento de mais oportunidades de trabalho na região para que essas pessoas não estejam tão vulneráveis e não sejam dependentes do trabalho temporário nas safras.
“Encontramos situações em que trabalhadores passam fome, em que às vezes o mês termina e não tem o que comer, em que precisa escolher comprar comida e comprar remédio para os filhos, situações que a gente imaginava que pudessem estar superadas”, disse Ferroni.
Para a Oxfam, a discriminação de renda contra as mulheres no campo, a falta de garantia de proteção adequada contra contaminação por agrotóxicos, o trabalho temporário e condições não adequadas – especialmente para as mulheres – são responsáveis por impedir que muitas pessoas consigam superar a pobreza.
“O argumento de que qualquer emprego é melhor que nenhum emprego coloca sobre os trabalhadores o peso de aceitarem qualquer condição de trabalho e exime setores econômicos de suas responsabilidades. Isso não é justo. A cadeia das frutas gera riqueza e é necessário que essa riqueza seja mais bem distribuída”, avaliou Katia Maia, diretora-executiva da Oxfam Brasil, que lembrou que a fruticultura é celebrada como atividade emblemática do potencial do semiárido brasileiro, uma cadeia de produção moderna do país e geradora de milhares de empregos.
Para ela, no entanto, existem problemas graves que precisam ser enfrentados para garantir vida digna às pessoas que estão colhendo as frutas que chegam às nossas mesas. “E os supermercados têm o dever e a responsabilidade de ajudar a mudar esse preocupante cenário que estamos apontando”, disse Katia.
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