Uma sentença comprada por R$ 400 mil do mais alto cargo da Justiça estadual baiana – de um desembargador do Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA). Um depósito de R$ 14,8 mil por uma decisão e a venda de um imóvel por R$ 160 mil – que, para a polícia, era um caso clássico de lavagem de dinheiro. Por fim, duas juízas acusadas de ter envolvimento com uma operação de venda de sentenças que chegou a indiciar 15 pessoas.
Os casos desses quatro magistrados – três juízas e um desembargador – levaram a Bahia a estar no topo dos estados com mais registros de vendas de sentença, assim como o Ceará e o Tocantins, que têm o mesmo número. O levantamento foi divulgado originalmente pelo portal The Intercept Brasil na última segunda-feira (30), a partir de dados obtidos a partir da Lei de Acesso à Informação (LAI) diante do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
A venda da sentença mais alta em questão – os R$ 400 mil – teria partido do desembargador Rubem Dário Peregrino Cunha, que foi aposentado compulsoriamente pelo CNJ, em 2012. Segundo o órgão, o desembargador praticou “ato incompatível com o exercício da magistratura”.
Na época, o CNJ informou que o filho o desembargador, que é advogado, teria exigido o pagamento de R$ 400 mil em nome do pai, de forma indevida. A quantia seria destinada ao favorecimento de um ex-prefeito de São Francisco do Conde (BA), Antônio Pascoal Batista (PDT). Morto em 2015, ele era réu em um processo por corrupção.
Além de exigir R$ 400 mil, o desembargador também teria solicitado um cargo comissionado para a namorada do filho. Em 2011, o CORREIO mostrou quando o Supremo Tribunal Federal (STF) negou o mandado de segurança impetrado por ele, quando ainda tentava voltar ao TJ.
A aposentadoria compulsória também foi a penalidade aplicada à juíza Olga Regina de Souza Santiago Guimarães, em 2016. Ela foi acusada de envolvimento com o narcotraficante colombiano Gustavo Duran Batista. Olga foi condenada por receber dinheiro e trocar favores com Batista.
De acordo com o CNJ, os dois tinham ligações desde 2001, quando Olga o inocentou em uma ação criminal depois de ele ter sido preso em flagrante por tráfico de drogas. Na época em que a aposentadoria foi anunciada, o CNJ informou que a Polícia Federal interceptou conversas entre a magistrada e o traficante.
Numa das conversas, ela disse a Gustavo: "Obrigada pelas uvas, estavam maravilhosas". No entanto, em 2012, ao lançar sua autobiografia intitulada 'O preço amargo da Calúnia', em Juazeiro, Olga disse a um veículo de comunicação local que teria recebido as uvas enviadas por Gustavo por intermédio do ex-marido, que ia com frequência à cidade para visitar uma amante - fato até então desconhecido pela juíza.
"Daí, o Bautista [Gustavo Bautista, acusado de tráfico] mandou umas caixas de uva de presente e ele chegou em casa. Eu levei até ao fórum, o pessoal inclusive de Cruz das Almas experimentou as uvas. A Polícia Federal em um dos grampos, ouviu eu agradecer a uva e disse que não era uva, era cocaína e eu estava falando em códigos. Aí foi toda a celeuma de televisão, de jornal até que vasculharam minha vida toda, quebraram sigilo fiscal, bancário, telefônico, tudo", disse a juíza, na ocasião, ao portal de notícias Gazzeta, de Petrolina e Juazeiro.
As outras duas juízas – Maria de Fátima Silva Carvalho e Janete Fadul de Oliveira – receberam ‘censura’, que é um tipo de advertência que impede os magistrados de serem promovidos por um ano.
Elas foram afastadas preventivamente pelo CNJ em 2009 depois de terem sido denunciadas pelo Ministério Público da Bahia (MP-BA), em 2008, por possível envolvimento num esquema que envolvia funcionários do TJ-BA, advogados e juízes. Como o CORREIO mostrou em 2009, 15 pessoas foram denunciadas pelo caso.
Uma das acusações do MP-BA era de que a juíza Maria de Fátima Silva Carvalho tivesse assinado uma sentença elaborada por seu filho e o sócio dele. Os dois estavam entre os 3 réus na Operação Janus, deflagrada em 2008. Em 2015, a juíza Maria de Fátima tornou-se desembargadora do TJ-BA, cargo que exerce até hoje.
Em nota, a presidente da Associação dos Magistrados da Bahia (Amab), a juíza Elbia Araújo, afirmou que a entidade tem garantido a assistência a todos os magistrados, inclusive daqueles que estiverem envolvidos em situações que necessitem de apoio jurídico e institucional, para que seja garantida a ampla defesa.
“A entidade proporciona o acompanhamento, velando pelo respeito às prerrogativas, mas sempre em defesa da verdade, da ética e dos princípios básicos que norteiam a Justiça”, completou a presidente da Amab.
Em nota, a OAB-BA comentou as aposentadorias compulsórias - penalidade disciplinar mais grave aplicada a juízes vitalícios, conforme a Lei Orgânica da Magistratura Nacional.
"Essa penalidade sempre foi muito questionada, porque se traduz em verdadeira premiação ao agente político que infringe normas muito caras da estrutura da segurança jurídica, da respeitabilidade do Poder Judiciário e dos princípios republicanos", disse a vice-presidente da OAB-BA, Ana Patrícia Dantas Leão.
Para ela, esse tipo de penalidade "é completamente dissonante dos anseios da sociedade quanto ao fim de privilégios e combate incessante à corrupção". Ana Patrícia acrescenta que este é um tema que precisa ser revisto dentro de uma reforma legisliva, sem apegos corporativistas.
O Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA) e o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) foram procurados pelo CORREIO, mas não responderam até o fechamento desta edição.
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