Um dos principais jornais do Nordeste, Jornal Atarde, publicou na sua edição do último sábado, dia 28, extensa matéria sobre os problemas estruturais na saúde de Juazeiro (BA). Confira:
Com nove meses de gravidez, a agricultora Elielma Sacramento, 28 anos, saiu às 4h30 do povoado Salitre para a última consulta médica no Hospital Materno-Infantil antes do parto. O atendimento estava agendado para 8h, mas foi avisada que o médico só chegaria às 11h. O hospital-maternidade, que é uma referência regional, enfrenta problemas de superlotação e de estrutura para garantir um atendimento de qualidade à população.
Ação civil pública
O Ministério Público do Estado da Bahia (MP-BA) ajuizou, no dia 14 de junho deste ano, uma ação civil pública, onde solicita que a Justiça determine que a prefeitura de Juazeiro realize uma reforma imediata na maternidade. Assim como requer que sejam realizadas adaptações e aquisição de equipamentos exigidos pela vigilância sanitária.
Na ação, o MP-BA diz que a unidade possui setores “que continuam apresentando problemas sérios e estruturais, notadamente a lavanderia e o Centro de Material de Esterilização (CME)”. A vigilância sanitária emitiu parecer favorável à interdição dos dois setores, devido aos riscos de infecção.
A promotora Rita de Cássia Rodrigues, que moveu a ação, afirmou que a interdição de todo o hospital somente não foi recomendada em razão da importância da unidade para a região.
De acordo com MP-BA, por meio da assessoria de comunicação, até agora a Justiça não apreciou o pedido liminar feito pelo órgão. O último movimento processual foi um despacho determinando que a parte ré fosse citada para se manifestar no processo.
Em entrevista ao A TARDE, a secretária de saúde de Juazeiro, Fabíola Ribeiro disse que a prefeitura “está buscando parceria junto ao governo estadual para que a reforma aconteça, uma vez que a maternidade tem uma importância regional”.
A secretária destacou que são realizados, em média, 440 partos mensais na unidade. “51% dos atendimentos são pessoas que moram em Juazeiro. Os outros 49% são de usuários que moram em outros municípios da Rede Peba, formada por 53 municípios dos estados da Bahia e de Pernambuco”, informou.
Fabíola Ribeiro ressaltou que o município não tem condições financeiras de realizar sozinho a reforma. “Temos mantido esse serviço com muito esforço e responsabilidade. Somos um hospital municipal com importância regional. Não temos recursos para abraçar a reforma que está sendo solicitada. Diante disso, estamos buscando um convênio junto ao governo do estado para que possamos fazer as adequações propostas pelo MP”, concluiu.
O agricultor Alessandro Carvalho, de 35 anos, chegou à Unidade de Pronto Atendimento (UPA) da cidade de Juazeiro às 5h. Com fortes dores no corpo, náusea e vômito, ele só foi atendido às 8h30. “É um absurdo essa situação. Meu filho ficar todo esse tempo sentindo dor, sem receber atendimento. O tempo de espera é muito grande”, reclamou a agricultora Maria Paula.
Assim como ela, na última quarta-feira, outros usuários reclamavam do atendimento na única UPA de Juazeiro, cidade localizada a 505 km de distância de Salvador, no norte baiano. “Isso aqui está um caos”, gritou um idoso ao sair da unidade e ver a nossa equipe de reportagem.
A rede de urgência e emergência do município passa por uma forte crise em suas duas principais unidades: a UPA e o Hospital Materno-Infantil. Em junho, o Ministério Público do Estado da Bahia (MP-BA), por meio de uma ação civil, solicitou uma liminar que determinasse imediata reforma, adaptação e aquisição de equipamentos à maternidade (ver matéria ao lado). Esta situação é também acompanhada por falhas no atendimento das unidades básicas de saúde.
Desde o último dia 9, a Secretaria Municipal de Saúde (Sesau) adotou uma política de redimensionamento e qualificação dos serviços de urgência e emergência. A urgência pediátrica do Hospital Materno-Infantil foi deslocada para UPA. Já os serviços de urgência ortopédica básica e de média complexidade, antes realizados na UPA, passaram a ser prestados pelo Instituto Viver Sote, através de serviços contratados pela prefeitura.
A secretária de Saúde, Fabíola Ribeiro, avalia que as mudanças estão proporcionando melhor atendimento à população. Mas o que encontramos foi muita reclamação dos usuários.
Fabíola Ribeiro, secretária da Saúde de Juazeiro: “Avalio que as mudanças irão melhorar o atendimento à população”Fabíola Ribeiro, secretária da Saúde de Juazeiro: “Avalio que as mudanças irão melhorar o atendimento à população”
Mistura
“Agora está uma mistura de crianças e adultos. Na urgência do Materno-Infantil tinha berço para as crianças. Aqui não tem nada disso. Nossos filhos deveriam seguir sendo atendidos lá”, disse a vendedora Regina Souza, 36 anos, que levou o filho Ricardo, 6 anos, à emergência pediátrica.
Outra reclamação é que os acompanhantes, exceto de crianças e idosos, não entram na UPA. Foi erguido um toldo provisório em frente à unidade. “Somos proibidos de entrar, não sabemos como os pacientes estão lá dentro. Ficamos aqui fora apreensivos, sem cadeiras suficientes para sentar, sem água e sem banheiro. Isso é desumano”, afirmou o motorista Carlos Nascimento, 54 anos.
As reclamações e críticas dos usuários ganharam as ruas de Juazeiro. Na última segunda-feira, aconteceu uma manifestação em frente à prefeitura. Usuários reivindicavam melhorias na UPA e no Hospital Materno-Infantil. “O atendimendo na UPA já era ruim, agora que a emergência pediátrica foi removida pra lá, a situação piorou. Inclusive, fizemos uma denúncia no Juizado da Infância e Adolescência sobre esta situação”, disse Davi Lima, membro do Comitê Estadual contra a Corrupção, um dos organizadores do protesto.
A Sesau diz entender algumas reclamações dos usuários, mas ressalta que as ações de redimensionamento e qualificação dos serviços tem contribuído para um melhor atendimento, pois permite direcionar os pacientes de forma qualificada e também classificar o perfil dos usuários.
“Muitos dos usuários que buscam atendimento na UPA poderiam ser atendidos nas unidades básicas de saúde. Dos 3.617 atendimentos que realizamos este mês na UPA, 2.353 foram classificados na cor verde, ou seja, baixa complexidade. Amarelo e vermelho, considerados como de maior urgência, foram 603 e 31, respectivamente. Isso nos mostra que é importante a qualificação dessa porta de entrada para que o usuário esteja vindo à UPA quando de fato se encaixar no perfil do atendimento da unidade”, destacou a titular da secretária de saúde.
Este mês, 3.617 usuários foram atendidos na UPAEste mês, 3.617 usuários foram atendidos na UPA
Retaguarda
Fabíola Ribeiro informou que os usuários que não se enquadram no perfil de atendimento na UPA são encaminhados ao Programa Posso Ajudar. “É uma equipe de profissionais que fica na retaguarda para fazer uma contra referência qualificada. Encaminha os pacientes de perfis de atenção básica aos postos de saúde dos bairros”, explicou.
De acordo com a secretária, a reclassificação ajuda a atenção básica assumir o papel de porta de entrada do sistema de saúde. “A UPA não é a entrada do sistema básico de saúde, mas sim a atenção básica, que é estruturada para resolver entre 70% a 80% dos problemas da população”, enfatizou.
Quanto às reclamações do impedimento do acesso dos acompanhantes à UPA, a secretária pontuou que está seguindo a lei. Apenas crianças e idosos têm direito a acompanhantes. E que não há espaço na unidade para que todos os acompanhantes possam entrar. Uma área de acolhimento está sendo planejada para ser construída na entrada.
Apesar de ser reivindicada por Fabíola Ribeiro como a porta de entrada do sistema público de saúde, a população também reclama do serviço de atenção básica, ofertado em 56 unidades, localizadas nas zonas urbana e rural, executado por 63 equipes de Saúde da Família.
Moradores denunciaram falta de atendimento, de vacinas e de materiais básicos para o trabalho dos profissionais na Unidade Básica de Saúde Residencial Juazeiro I e III. A falta de médico e atendimento regular foi a queixa da população do bairro Alto da Aliança. Carlos Nascimento, morador do bairro Jardim das Acácias, lamentou a demora no agendamento de consultas.
“Procurei o posto no dia 10. Pediram para que eu retornasse no dia 20. Fui, enfrentei uma fila enorme e disseram que seria atendido apenas no dia 2 de outubro. Mas eu já estou sem receita médica. Tive que brigar no posto para adiantarem meu atendimento para o dia 24. Esse sufoco é permanente”, desabafou.
A secretária Fabíola Ribeiro frisou que a cobertura da atenção básica atinge 93% do município e a gestão trabalha para que “as unidades básicas de saúde façam o atendimento adequado”. E, que o seu papel como gestora “é fortalecer a atenção básica”.
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