Procuradores da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba discutiram coletar dados e informações sobre o ministro Gilmar Mendes, do STF (Supremo Tribunal Federal), para tentar afastá-lo de processos e até pedir seu impeachment, segundo publicação do jornal El País com base em mensagens obtidas pelo site The Intercept Brasil.
De acordo com os diálogos divulgados nesta terça (6), integrantes da operação, incluindo o procurador Deltan Dallagnol (chefe da força-tarefa), debateram apurar decisões e acórdãos do ministro para embasar a ofensiva e planejaram acionar investigadores na Suíça para tentar reunir indícios contra Gilmar Mendes.
O objetivo era rastrear um possível elo entre Gilmar e Paulo Vieira de Souza, conhecido como Paulo Preto, acusado de ser operador de propina do PSDB e que está preso em Curitiba após uma das ações da Lava Jato.
O ministro reagiu à divulgação das novas mensagens. Disse que elas revelam "delinquência institucional" e que "está na hora de a Procuradoria tomar providências". "Tudo indica, à medida que os fatos vão sendo revelados, que nós tínhamos uma organização criminosa para investigar. Portanto, eles [procuradores] partem de ilações absolutamente irresponsáveis", disse o magistrado.
O ministro não explicitou, porém, se cobrava alguma atitude da procuradora-geral da República, Raquel Dodge.
Segundo a PGR, Deltan não poderia se"r afastado em razão de uma decisão individual de Dodge, mas somente por órgãos colegiados ligados à instituição. No âmbito do Ministério Público Federal, seria necessário uma decisão do Conselho Superior, por maioria de votos, em caso de membros indiciados ou acusados em processo disciplinar, segundo o órgão.
Além disso, o Conselho Nacional do Ministério Público, de controle externo da instituição, também pode determinar afastamentos de procuradores –o órgão já abriu reclamação disciplinar para apurar a situação de Deltan.
No último dia 1º, reportagem publicada pela Folha de S.Paulo e pelo Intercept com base nas mensagens obtidas pelo site já havia apontado que Deltan incentivou colegas em Brasília e Curitiba a investigar Dias Toffoli sigilosamente em 2016, numa época em que o atual presidente do Supremo começava a ser visto pela Lava Jato como um adversário.
As mensagens apontavam que ele buscou informações sobre as finanças pessoais de Toffoli e sua mulher e evidências que os ligassem a empreiteiras envolvidas com a corrupção na Petrobras.
Ministros do STF não podem ser investigados por procuradores da primeira instância, como Deltan e os demais integrantes da força-tarefa. A Constituição diz que só podem ser investigados com aval do próprio tribunal, onde quem atua em nome do MPF é o procurador-geral da República.
Segundo as mensagens divulgadas nesta terça (6), a suspeita dos procuradores era a de que Gilmar Mendes, que já havia concedido duas ordens de soltura em favor de Paulo Preto, aparecesse como beneficiário de contas e cartões que o operador mantinha na Suíça, um material que já estava sob análise dos investigadores europeus.
Ao falar sobre os cartões vinculados à conta de Paulo Preto na Suíça, o procurador Roberson Pozzobon comentou que um deles poderia ter como beneficiário o ministro do STF. "Vai que tem um para o Gilmar"¦hehehe", escreveu Pozzobon.
Em seguida, o procurador Athayde Ribeiro, disse, em tom irônico: "vc estara investigando ministro do supremo, robinho.. nao pode. rs".
"Ahhhaha. Não que estejamos procurando. "Mas vaaaai que", respondeu Pozzobon.
As mensagens são reproduzidas com a grafia encontrada nos arquivos originais obtidos pelo Intercept, incluindo erros de português e abreviaturas.
Os diálogos apontam que a discussão começou porque Deltan disse saber de "um boato" vindo da força-tarefa de São Paulo de que parte do dinheiro mantido por Paulo Preto em contas no exterior pertenceria ao magistrado.
À Folha de S.Paulo Gilmar disse: "Quem se mostra capaz de fazer uma investigação sórdida seria também capaz de inventar uma conta no exterior ou um cartão de crédito de forma fraudulenta".
"Pode-se imaginar, com base nesse padrão ético revelado, o que esses investigadores fizeram com a colaboração premiada. Como tenho dito, essa é a maior crise que se abateu sobre o aparato judicial desde a redemocratização", afirmou.
Deltan afirmou no grupo de conversas que Raquel Dodge não tinha disposição de enfrentar Gilmar. A crítica surgiu em um contexto em que Deltan defendia o impeachment do ministro do STF.
"Caros a Raquel não confronta o GM [Gilmar Mendes] provavelmente por conta do sonho com uma cadeira no supremo, mas ele está passando de todos os limites. Ou passamos a falar publicamente que a sociedade tem um encontro marcado com o impeachment de Gilmar e se Vc não gosta do Gilmar a culpa é do Eunício Oliveira, ou então precisamos cobrar posição pública da PGR [Procuradoria-Geral da República]", escreveu Deltan.
A menção ao ex-senador Eunício Oliveira (MDB-CE) foi feita porque à época ele era presidente do Senado, onde podem tramitar processos de impeachment contra ministros do STF.
Em uma das mensagens, Deltan sugeriu buscar chamadas telefônicas de Paulo Preto ao Supremo. "Vale ver ligações de PP [Paulo Preto] pra telefones do STF", disse Deltan.
Em seguida, o procurador Paulo Roberto Galvão comentou: "Mas cuidado pq o stf é corporativista, se transparecer que vcs estão indo atrás eles se fecham p se proteger".
Dias depois, os procuradores obtiveram um relatório de uma operação da força-tarefa que indicou que o ex-senador Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP) havia ligado para o gabinete de Gilmar Mendes no dia 11 de fevereiro de 2019.
Delatores da Lava Jato apontaram que Paulo Preto afirmava ter ligações com Aloysio, que sempre negou envolvimento em atos de corrupção.
Em 21 de fevereiro deste ano, no mesmo chat, Pozzobon afirmou: "Acho que tem uma chance grande de ALOYSIO ter colocado GILMAR no STF".
Aloysio e Gilmar trabalharam no governo FHC (1995-2002), e o ministro foi indicado ao STF pelo então presidente em 2002.
OUTRO LADO
A força-tarefa de Curitiba disse, em nota, não reconhecer as mensagens. "O material é oriundo de crime cibernético e tem sido usado, editado ou fora de contexto, para embasar acusações e distorções que não correspondem à realidade."
O texto diz ainda que não surgiu nas investigações nenhum indício de que cartões da conta de Paulo Preto tenham sido emitidos em favor de qualquer autoridade sujeita a foro por prerrogativa de função. "Qualquer ilação nesse sentido, por parte de quem for, seria mera especulação."
Segundo a nota, em todos os casos em que há a identificação de pagamentos de vantagens indevidas e lavagem de ativos no exterior, o Ministério Público busca rastrear o destino de todos os ativos ilícitos, para identificar destinatários desconhecidos, e encaminha os dados à Procuradoria-Geral e ao Supremo.
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