Um barreiro mais de meio, um sol quase se escondendo, e eu voltando pra casa. São quatro e meia da tarde, o céu parece uma paleta de cores, uma nuvem se refaz sob um azul quase lilás. A voz, arranhada como a de um cantor de blues.
Agora, uma pausa. Afinal, foram trinta dias de poeira, estrada e muito forró. Eita, vida de gado. Mas a poeira faz parte da estrada, a estrada faz parte da vida, e a vida é amiga da arte. Ligo o rádio, mudo de estação: morreu João Gilberto.
— Quem é João Gilberto? – pergunta o motorista dessa penúltima turnê, a qual batizei de “Turnê Nordestina” (Espero que todas sejam, daqui pra frente, sempre as penúltimas. Pelo menos por mais uns trinta anos).
Ah! Deixa eu responder ao motorista:
— João Gilberto, meu caro cidadão, foi o mais brilhante violonista de samba da música brasileira.
Não quis falar de bossa nova, falar de samba era mais compreensível. Afinal, o samba foi a base da música de João Gilberto.
O que mais me intrigou nessa notícia foi o fato de que um dia antes estávamos eu, Inês – jornalista a serviço e escreve para o jornal (O Globo), Mauriçola, compositor baiano, e Eraldo Rodrigues, parceiro das antigas, perto de Juazeiro da Bahia, cidade onde João Gilberto nasceu.
Era em uma ilha do rio São Francisco, e nossa conversa tinha como tema justamente a figura, a música e a rebeldia desse que foi, é e sempre será lembrado, em qualquer parte do mundo, como o homem que sussurrava músicas para não acordar o sono da beleza da poesia de Vinicius de Moraes, Noel Rosa, Zé Keti (José Flores de Jesus), e outros vates que se fizeram vida no misterioso céu da canção brasileira.
Faço alguns minutos de silêncio, e mesmo sendo eu um forrozeiro lacrado, João é um dos poucos que conseguiram furar o zinco que forra a minha redoma musical e entrou em meu universo, capitaneado por Luiz Gonzaga.
Volto pra casa triste, mas feliz por saber que ainda resta um resto de acordes dissonantes em meu forró. Começo assoviar uma canção de João, enquanto cascavilho o celular atrás de coisas joãogilbertianas, e me deparo com um comentário de Manoel Bione:
— “É bem capaz de ele não ir ao próprio velório”, por causa do barulho do choro dos seus fãs”.
O silêncio, para João Gilberto, era fundamental.
Viva João, viva a música brasileira!
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