Na edição especial para assinantes, a jornalista Ines Garçoni, escreveu que Juazeiro não chora por seu filho mais ilustre, João Gilberto.
Confira reportagem na integra:
O dia seguinte à morte de João Gilberto amanheceu como um domingo qualquer em Juazeiro, na Bahia, sua terra natal. Na orla à beira do rio São Francisco, a estátua de bronze assinada pelo mineiro Leo Santana, uma réplica do artista em tamanho natural segurando um violão, teve seu banquinho vazio ao longo de quase todo o dia. Poucos quiseram tirar uma foto ao lado filho mais ilustre da cidade.
Quem visita Juazeiro dificilmente vê outra lembrança do músico além da estátua, inaugurada há cerca de quatro anos. A casa onde nasceu, cresceu, aprendeu a tocar violão e inventou a batida da bossa nova, em frente à praça da centenária Igreja Matriz, mantém uma placa de bronze inaugurada em 1991 em memória aos 16 anos que João viveu ali, no entanto, encontra-se descaracterizada — embora a fachada, parte do piso e algumas portas e janelas ainda sejam originais. Sem qualquer sinalização, pouco ou nenhum turista, nem morador, descobre a informação.
No Centro Cultural João Gilberto, local de exposições e apresentações artísticas, administrado pelo Estado da Bahia, a homenagem limita-se ao letreiro em frente; dentro, não há uma foto dele sequer. Com tão poucas referências, restam às memórias de suas passagens por Juazeiro se manterem guardadas por alguns poucos amigos locais que João cultivou ao longo de décadas.
— Criou-se um boato muito forte aqui de que ele detestava Juazeiro. Talvez porque nunca tenha feito um show na cidade ou porque, quando vinha, não gostava de sair andando por aí. Quando saía, era de madrugada — conta o músico e amigo Maurício Dias, de 64 anos, que o conheceu ainda nos anos 1970, numa das muitas vezes que João visitou a cidade. — A verdade é que ele era um apaixonado por Juazeiro, tinha fascinação pelos anos que passou aqui. Adorava contar casos daquele tempo, tinha carinho pelas pessoas com quem conviveu, passava horas falando disso — diz.
A amiga de infância Maria Izabel Muniz Figueiredo, de 90 anos, mais conhecida como Bebela, ainda lembra de muitas histórias vividas com “Joãozinho”.
— A gente brincava na praça e gostava de ficar nas barrancas do rio, atrás da casa de Dona Patu, mãe dele. Joãozinho tocava violão e eu cantava — conta. — Mas a cidade mudou demais, ficou mais feia, mais pobre. Naquela época, tinha aqui três orquestras filarmônicas, um porto agitado no São Francisco, praças belíssimas com pedras portuguesas… Os coretos onde João se apresentava foram quase todos demolidos.
Maurício Dias lembra que, certa vez, o músico esteve em Juazeiro com uma equipe de televisão japonesa e se dispôs a gravar cenas na velha casa onde nasceu.
Quando passou da porta, ficou tão triste com as mudanças que desistiu. Disse que tinha se enganado e não era ali que tinha nascido — conta.
Atualmente, o lugar abriga a Secretaria de Cultura e Turismo da cidade, da qual Dias é superintendente há dois anos. O quarto de João, com a janela de frente para a praça, está em obras para abrigar uma exposição sobre sua vida e obra, prevista há alguns meses.
— Vamos expor fotos inéditas que ele mandou a irmã me dar de presente há alguns anos — revela.
Nas ruas, o que se sabe sobre a vida de João Gilberto em Juazeiro é pouco ou quase nada. Lavador de carro em frente à estátua do artista, Germano Bispo, de 60 anos, diz que a cidade tem outros filhos “mais famosos e importantes”, como Ivete Sangalo e o jogador Daniel Alves.
—Estes estão sempre aqui, gostam mesmo de Juazeiro, ao contrário dele, que detestava — comenta.
Dono de um quiosque em frente à antiga casa do artista, João da Silva não sabia que o músico tinha nascido e crescido ali, a cerca de 30 metros de sua barraca: "Ele não gostava da gente, ao contrário de Ivete. Se ela morrer, a cidade inteira vai parar, muita gente vai chorar aí no meio da rua".
João e Germano certamente desconhecem a famosa mania do artista de telefonar para os amigos de madrugada, e se ouvissem o músico juareizense Antonio Carlos Tatau, talvez mudassem de ideia sobre João.
— Ele ligava para mim e ficava um tempão falando de Juazeiro. Sempre me chamou a atenção a forma poética e romântica como ele tinha preservado as coisas e as pessoas do tempo dele aqui.
Aquela era outra Juazeiro. Se os moradores de hoje não o valorizam, a cidade atual também não o agradava mais. Certa vez, diz Tatau, João teria dito a outro amigo:
"O homem nunca deve voltar ao lugar onde foi feliz".
© Copyright RedeGN. 2009 - 2024. Todos os direitos reservados.
É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita do autor.