Ano passado minha filha, Bia Roncalli, me mostrou uma canção do Baco Exu do Blues. Minha primeira pergunta foi: – É Baiano ? Não dei muita bola de primeira, mas hoje pensei em Bia incessantemente (para mais além do pensar compulsivamente recorrente e habitual de todos os segundos), curiosamente lembrei da nossa conversa rápida sobre a canção do Baco Exu.
De cara o nome Baco Exu do Blues me sentenciou uma conexão amistosa. O Deus Baco das festas intermináveis, do vinho e da boemia – elementos indissociáveis do meu primeiro livro – Orbitais. O Blues é uma das 5 primeiras peças da minha experiência musical de prima: rock jazz bossa samba & blues, em ordens aleatórias sobre o expoente de pi (ouvi esta expressão num filme e gostei muito).
E na minha experiência musical imberbe, uma coisa em comum: tudo música de preto ! Inclusive a bossa nova – vide as origens da cor da pele do povo de Juazeiro da Bahia – terra onde João Gilberto nasceu – terra que o influenciou no que é chamado de Bossa Nova. Vide Juazeirenses Pretos sob o sol escaldante do Rio São Francisco. Rio Solar de Negros Navegantes: Heróis Remeiros – histórias de Aquidabans Ribeirinhas contadas por Uberdan Oliveira e Dêniston Diamantino.
Exu é o orixá que me acolheu e me esclareceu mistérios. Num outro nível de vínculo: sou Filho dele, num acordo com meu Pai Oxalá e com coisas para acertar com Oxum. Sou homem de confiança de Exu. Meu mundo gira respeitando os muitosversos quânticos, espirituais, sem religião, sem devoção, sem muita fé (na maioria das vezes), mas com um olhar de fé e devoção orbital, faltando apenas a religião que o defina.
Baco Exu do Blues é música brasileira. Eu não entendo de rap ou de hiphop. Mas eu que não danço (tanto), dancei ouvindo a música do Baco. Vibrei com os versos dele, olhados com meu interesse pelo estranhamento. Estranhamento apenas pra mim.
A poesia de Baco Exu do Blues é o juntar dos eventos das ruas, sobretudo das ruas onde residem a pobreza de grana e de acesso aos direitos humanos, ou aos direitos da constituição brasileira ou a quaisquer outros direitos, mas onde floresce a riqueza da sabedoria em reverter a crueza destas mazelas.
Este é o saber viver nas ruas quando se é preto-pobre-minoria-desgraçado e “todo preto líder é morto”, mas assim sendo, tanto Baco Exu, como toda a força daqueles que têm a pele negra, intuem e aprendem de forma ancestral: a arte de se manter vivo. Chamar isso de arte é uma licença poética de branco. Pois isso é foda, não é fácil, é degradante e é exatamente nesta hora que Exu (o orixá) intercede e autoriza ao Baco Exu do Blues incorporar a poesia que versa para além da resistência habitual.
Experto, Baco Exu ensaia o dizer de quem pode ir além, além nestes campos do influenciar cada vez mais gente: “um negro, um violão e um canivete – pungente para existir – não se enquadra no que esperam.”
Me identifico com Baco Exu do Blues nisso, apesar de não ter minha pele preta, sou neto e bisneto de pretos e índios e nunca me enquadrei (pelo menos no pensar e na poesia), naquilo que sempre esperaram de um cara que tem nome de papa como eu. Angelo Roncalli é o nome do papa João XXIII. E eu nunca me enquadrei no que meus conterrâneos esperariam no século passado de um menino obediente e serviçal. Aos cinco anos de idade fugi de casa para tomar banho no Rio São Francisco no Dia de Nossa Senhora das Grotas, na hora da procissão. Pus os pés no Rio. Minha alma foi contaminada com a capacidade de subverter.
Baco Exu Roncalli Blues Bossa Nova Tia Dirce – todas as referências de uma vida, todos os poemas, todos os versos, todos os flertes com as entidades da natureza, toda a trajetória da existência, o fato de ser preto, branco, bicha, hétero, cego, ateu, promíscuo, vender drogas, estar preso, tomar remédios receitados por um macumbeiro ou por um psiquiatra, tudo isso em suma, em resumo, transitam sem pecados pudores juízos no beat deste artista impressionante.
Além de inúmeros temperos da arte pop, de Rimbaud a Basquiat, de Van Gogh a Beethoven, Baco Exu do Blues acrescenta um aperitivo úmido com sexo & eroticidade & putaria mesmo. O ambiente criado é real e não um avatar da realidade. Gostei muito dele: eu também “te amo disgraça”. E você não é o preto mais odiado que vi. Sua música é o que sempre quis ouvir: distante dos mitos, que não pede permissão, que não desconstrói o que já foi construído, vem com esta força e com os novos dizeres que tanto eu espero... e vem com o antibomocismo de Baco, de Exu e do Blues. Por isso, é o que é ! Evoé !
ANGELO RONCALLI
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