O Dia Internacional da Liberdade de Imprensa é muito mais que uma data para nós, repórteres. Como se fosse uma daquelas anotações que se faz no pé do bloquinho de notas para ser lembrada na hora em que estamos escrevendo a matéria, a data é um lembrete dos dias atuais que vivemos no Brasil: que, por conta das demissões em massa, as redações estão com os nervos à flor da pele.
Mas, por uma dessas ironias da história, nós temos a chance de continuar fazendo jornalismo fora da redação graças às novas tecnologias de comunicação, que são apontadas pelos consultores econômicos como o motivo da fuga de anunciantes e assinantes dos grandes jornais e da consequente queda de receitas que resultaram nas demissões.
Mas qual é a diferença de praticar a liberdade de imprensa dentro de uma redação de jornal e fora dela? Nenhuma, sob o ponto de vista da busca pela verdade. Mas, fora da redação, nós ficamos mais vulneráveis aos predadores da liberdade de imprensa por não termos a estrutura jurídica e econômica de uma grande empresa na hora de nos defender nos tribunais.
Esse mesmo problema, só que de maneira bem mais ampliada, tiveram os nossos colegas durante o regime militar (1964 a 1985), foram demitidos das redações e montaram a chamada imprensa alternativa, que publicou vários jornais e várias revistas que fizeram história, como o semanário O Pasquim (1969 a 1991), no Rio de Janeiro, e o mensal Coojornal (1976 a 1982), em Porto Alegre.
A lista dos nossos colegas que foram presos pelos militares e torturados é longa – tem uma fartura de material na internet. Mesmo o pessoal que trabalhava nas redações naquela época não estava a salvo da perseguição das autoridades, como foi o caso do jornalista Vladimir Herzog, o Vlado, que trabalhava na TV Cultura de São Paulo, e que, em 24 de outubro de 1975, foi prestar um depoimento no Comando Operacional de Informações do 2º Exército, o DOI-CODI.
Vlado foi torturado e morto no DOI-CODI, que tentou mascarar a morte com a versão de que ele havia se suicidado na sua cela. O legado que Vlado e outros colegas nos deixaram é a liberdade de imprensa que temos hoje, um bem que precisa ser cuidado a cada matéria que redigimos.
Deixamos o passado de lado e voltamos aos nossos dias atuais. Há duas semanas, uma decisão do ministro Alexandre Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), mandando retirar matérias da revista Crusoé e do site O Antagonista nos lembrou que a censura continua. Só mudou o jeito de ser feita. Pressionado pela opinião pública, o ministro voltou atrás na sua decisão. Outra forma de censura são as campanhas contra a credibilidade dos jornalistas, como faz o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e o presidente do Brasil, Jair Bolsonaro. A favor de Trump e de Bolsonaro, tem o fato de que eles são nossos inimigos declarados. Aqui, há um fato sobre o qual temos que refletir.
Todas as autoridades se dizem defensoras da liberdade de imprensa até se tornarem nossos alvos. O que não é difícil. Lembramos o ensinamento do jornalista americano I.F. Stone, falecido em 1987: “Todo governo mente”.
Fechando a nossa conversa. O momento é difícil para o repórter. Dentro das redações, há a ameaça constante da demissão. Além de um dos salários mais baixos já pago pelas empresas e de uma sobrecarga de trabalho enorme. Fora das redações, nos sites, nos blogs e em outras plataformas de comunicação, há a luta constante contra as campanhas que colocam as redes sociais como sinônimo de fake news. Na verdade, ser jornalista nunca foi fácil em parte alguma do mundo e muito menos em qualquer período da história. Não por outro motivo que em 1983 a Organização das Nações Unidas determinou que 3 de maio seja o Dia Mundial da Liberdade de Imprensa.
Converso com muitos repórteres jovens nas universidades e em redações do interior do Brasil e vejo que existe uma coisa que não mudou com o tempo: o brilho nos olhos e o fascínio por esse nosso mundo de jornalista. Há uma coisa que aprendi nos meus 40 anos de profissão, 30 e poucos em redação de jornal. A nossa força é a parceria com o nosso colega de trincheira. Ser repórter e lutar pela verdade não é fácil. Mas é legal.
*Carlos Wagner é jornalista-Observatório da Imprensa
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