O valor e o potencial da Caatinga ficou em evidência no “Encontro com as comunidades Recaatingueiras do Território Sertão São Francisco”, que aconteceu nos dias 29 e 30 de abril, no Centro de Formação Dom José Rodrigues, em Juazeiro Bahia. O encontro reuniu agricultores, agricultoras, pesquisadores/as, estudantes e jovens do Território Sertão do São Francisco – TSSF para apresentar os estudos e monitoramentos das áreas de Recaatingamento e discutir o plano de manejo, entre outras ações ligadas ao Recaatingamento e ao Projeto Bem Diverso.
Por muitos anos, foi criado no imaginário das pessoas a ideia de que a Caatinga era um bioma pobre e de terra seca. Contrariando esse estigma de miséria, o pesquisador da Embrapa, Saulo Aidar , defende a resistência das espécies de plantas forrageiras e frutíferas presentes na Caatinga. “A velocidade de resposta diante da adversidade, a gente está falando principalmente da capacidade de resistência e de recuperação das plantas em situação de seca”, evidencia o pesquisador. Para ele, a oportunidade de ter essas plantas deve ser valorizada ao tempo em que alerta sobre a necessidade de cuidar do solo.
Em consonância com o pesquisar, o agricultor e defensor da Caatinga Alcides Peixinho, da comunidade de Fundo de Pasto de Ouricuri, em Uauá, expõe a importância da Caatinga para a proteção do solo e na garantia da sustentabilidade dos povos do Semiárido, especialmente as comunidades Tradicionais de Fundo de Pasto. “Temos que apostar na Caatinga porque é o nosso jeito de viver, é o nosso patrimônio”, argumenta o agricultor. Para Peixinho a ação do Recaatingamento é o caminho para garantir a Caatinga em pé através do trabalho de conscientização e educação ambiental das pessoas. O mapeamento participativo realizado pela Embrapa na comunidade de Ouricuri, com apoio do Projeto Bem Diverso, mostra que “o modo de vida destas comunidades nos seus 200 anos de existência foi capaz de preservar 81% da Caatinga de Pé”, pontuou a pesquisadora Paola Cortez.
As comunidades Tradicionais de Fundo de Pasto na luta pelos seus territórios desenvolvem um importante papel de guardiãs da fauna e flora da Caatinga, prática que foi intensificada com implementação do Recaatingamento desde o ano de 2009 nos municípios do TSSF. Desde o ano passado, o Projeto Bem Diverso vem realizando pesquisas e estudos para avaliar as ações do Recaatingamento. Em parceria com a Embrapa está sendo realizado estudos relacionados com solo, flora, fauna e suporte de manejo da Caatinga.
Os resultados dessas pesquisa foram apresentados no seminário pelos/as pesquisadores/as. Para Luís Almeida, colaborador do Irpaa e responsável técnico pelo Projeto Bem Diverso, “os dados que a gente apresentou mostra que o Recaatingamento é capaz de dar resposta a uma questão tão fundamental que é hoje a conservação e recuperação de Caatinga frente ao processo de mudança climática”. Em relação às mudanças climáticas, a pesquisadora Barbara França, aponta que a Caatinga é mais vulnerável a essa mudanças e neste caso o desmatamento é um forte causador do efeito estufa. “O que se pode fazer: diminuir o desmatamento e aumentar o reflorestamento” , afirma França. Essa fala da pesquisadora só reafirma a defesa de Luís sobre as contribuições do Recaatingamento: “com as mudanças climáticas, o Recaatingamento vem para dar uma resposta a isso, otimizando o uso das comunidades, o uso da terra, dos recursos naturais com responsabilidade e preservação” , reafirma Almeida.
As/os representantes das comunidades recaatingueiras também socializaram a experiência e os resultados do Recaatingamento, momentos que todos destacaram que é perceptível a mudança nas áreas isoladas do Recaatingamento, como surgimento de novas plantas, a presença de animais, a exemplo da comunidade de Bom sucesso, em Sobradinho. Seu José Neto Costa, relata que já é possível notar a diferença entre a área do Recaatingamento e a área de fora, além disso, os estudos e pesquisas demonstram que houve um aumento na capacidade de suporte da Caatinga.
Para a agricultora Marli Alves Passos, da comunidade Pedrinha, em Remanso, o Recaatingamento tem transformado o olhar e pensamento da comunidade e essa mudança não está ligada somente a preservação e conservação da Caatinga, para ela tem ultrapassado esses horizonte. “Nossos filhos estão estudando técnico agrícola por causa do Recaatingamento … foi através do Recaatingamento que a gente tem hoje jovens inseridos na projeto, na comunidade o Recaatingamento trouxe muita história”, afirma a agricultora. O agricultor Bartolomeu Rocha, da comunidade de Melancia, interior de Casa Nova, também pontua que um dos frutos do Recaatingamento foi o grupo de jovens e a maior inserção da juventude na vida da comunidade.
Todo esses depoimentos mostram que houve um avanço na compreensão da riqueza da Caatinga e que o envolvimento das famílias é o que tem impulsionado de fato os resultados positivos do projeto. Muito se evoluiu no trabalho de conservação e defesa da Caatinga em Pé, mas ainda existe muitos desafios a serem vencidos. Um deles é no tocante ao suporte da Caatinga e a prática do superpastoreio, preocupação que já vem sendo discutida nas comunidades.
Rede Jovens da Caatinga
O Bem Diverso, que é uma parceria entre o Irpaa, PNUD - Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento e a Embrapa - Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, também atuou na formação em comunicação para jovens oriundos das comunidades Tradicionais de Fundo de Pasto. Essa juventude participou de seis módulos de comunicação, onde foram trabalhadas as linguagens de impresso, rádio, vídeo e rede sociais. Como resultado de todo esse trabalho, as/os jovens formaram a Rede de Comunicadores e Comunicadoras Populares Jovens da Caatinga e hoje mantém a página @JovensdaCaatinga no Facebook.
Toda essa experiência foi apresentada pelos jovens no encontro. A pesquisadora Barbara Dantas, da Embrapa, destaca que “a confiança com que esse jovens falaram, que apresentaram o trabalho deles (…) isso também influencia no processo do Recaatingamento, no processo de conservação (…) a confiança com que eles falam o que pensam é o que faz a gente acreditar nesse processo”.
A jovem Antônia Vitória Oliveira Rodrigues, da comunidade Campo Alegre, em Sobradinho, integrante da Rede, revela que o que despertou seu interesse pelo projeto foi poder trabalhar na divulgação do modo de vida das comunidades: “isso é importante porque mostra o quanto as pessoas da roça é importante”, diz ela. Essa riqueza presente nas comunidade pode ser mostrada a partir das produções da juventude e Antônia Vitória acredita que a fotografia, por exemplo, pode ser uma ferramenta importante na construção dessa valorização.
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