ARTIGO - MAIS FORTES SÃO OS PODERES DO POVO

30 de Apr / 2019 às 23h00 | Variadas

Duas declarações emitidas neste início de semana chamam atenção pelo grau de sandice dos seus autores. A primeira declaração partiu do governador de São Paulo, João Doria.  Em evento com representantes do agronegócio, Doria disse não tolerar nenhum caso de ocupação por porte do MTST e do MST (ou movimentos afins), e que qualquer tentativa neste sentido será tratada como crime, e, por conseguinte, resolvida pela polícia.

A segunda declaração veio do presidente da República. Em pronunciamento, também para representantes do agronegócio, Bolsonaro informou estar em tratativa com o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, e que nos próximos dias encaminhará àquela casa um projeto de lei dispondo que fazendeiros que atirarem em trabalhadores integrantes de movimentos de ocupação de terra estarão isentos de punição judicial.

Quanta estupidez da parte desses dois!

É desconhecer por completo os processos de construção da história do Brasil, um país onde os movimentos populares se fazem presentes desde que o invasor aqui pôs os pés. E se fazem presentes à custa da determinação do povo, e não como uma concessão da burguesia, da qual Doria e Bolsonaro são legítimos herdeiros.

Incalculáveis são as experiências de luta popular ocorridas ao longo da história do Brasil, não obstante a repressão das elites políticas e econômicas: Palmares, Malês, Canudos, Cabanos, Contestado, Quebra-quilos, Direita-já, Fora Collor, são alguns exemplos.

Não é a extrema-direita de Doria, Bolsonaro, ou coisa que o valha, que irá impedir que os pobres continuem defendendo seu direito à terra e à moradia, condições indispensáveis para que existam, e existam com dignidade.

Não acho que o MTST, o MST, ou qualquer outro movimento, estejam esperando um aval do Doria ou do Bolsonaro para que possam agir. Quem decide quando, como, e onde atuar é o próprio povo organizado, querendo ou não os poderosos.

A livre manifestação é um direito legítimo, como legítimo é o direito à vida, que está acima de toda e qualquer propriedade, mesmo a dita “propriedade privada”. Como acentua a Encíclica Sobre o Trabalho Humano, de João Paulo II, “sobre toda propriedade privada pesa uma hipoteca social”. Ou seja, a propriedade tem de estar a serviço da vida, e não o contrário.

As medidas anunciadas por Doria e Bolsonaro fogem a toda racionalidade e mostram o comprometimento da extrema-direita com a barbárie mais absurda.

Não acredito que as forças repressoras, patrocinadas pelo poder estatal e pelo poder econômico, sejam capazes de conter o povo na sua longa e secular trajetória de luta e mobilização. Convicto disso, termino reprisando as últimas palavras do personagem Corisco, no longa-metragem Deus e o Diabo na Terra do Sol, do baiano Glauber Rocha: “mais fortes são os poderes do povo”.

José Gonçalves do Nascimento

Escritor

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