Em sua página pessoal no Facebook a cantora Mônica Sangalo prestou bonita homenagem à juazeirense Wanda Guerra, que faleceu dia passado em Salvador. Veja:
WANDA GUERRA - 27.03.2019
Liguei pro seu apartamento, telefone fixo, precisava de ajuda numas receitas de salgadinhos, nunca houve no mundo cozinheira mais fantástica que Vanda Guerra, a dona de Juazeiro. O telefone chamou três vezes e a voz de Wanda na secretária eletrônica mandou:
-Você ligou para Guerra à procura de paz! Deixe o seu recado!
Desliguei, incrédula.
Morávamos todos no São Francisco Country Clube, bairro afastado do centro da cidade de Juazeiro, onde Mammy e Wanda, amigas de longa data, reinavam felizes e festeiras com suas filharadas. Wanda era vaidosa, gostava de vestidos longos, de dançar, era apaixonada pelo marido e pelos filhos, e conhecida largamente pela produção de coxinhas e balas puxa-puxa, as deliciosas iguarias que viraram sua marca registrada.
Não lembro claramente o ano, era muito menina nessa época, mas o caso é que Wanda Guerra convidou Mammy pro chá de noiva que ela preparava em casa pra sua cunhada, de casamento marcado pra dali a alguns dias.
Acompanhei Mammy nessa festa, evento só para mulheres, não seria permitida a entrada de homens, haveria brincadeiras e jogos femininos, strip tease e o escambau, ia ser bem animado o encontro.
Sim, muitas brincadeiras engraçadas, adivinhação de presentes, música, salgadinhos e doces feitos por ela, e num dado momento, a grande surpresa: um desfile apoteótico de lindas camisolas de renda, longas e glamourosas, tendo como top model quem?
A própria Wanda, encarnando uma diva hollywodiana e mandando ver nas caras e bocas, nos trejeitos, nos sorrisos, nas gargalhadas, enquanto exibia pra nós sua inacreditável coleção de peignoirs, babydolls, lingeries de seda pura, além de pantoufles de saltos e plumas, um deslumbre!
Verdade seja dita, Wanda e Dedê fizeram filhos lindos! Uma mistura explosiva, de sangue quente, de gente que sorri com os olhos, um povo dengoso e acolhedor, uma característica que se conservou também entre os netos.
Uma novela de TV, não lembro qual, lançou o uso de botas longas entre as personagens, a novela era gravada no sul, durante o inverno, botas eram muito bem-vindas e o patrocinador agradecia, penhoradamente.
Wanda Guerra, que amava loucamente os filhos e a moda, não pestanejou: presenteou suas pequenas Alice e Karina com botinhas na altura dos joelhos. Mais que isso, fez com que as meninas envergassem as botas por muito tempo em tudo o que era ocasião. Eu via pelo basculante as duas, no ponto do ônibus, uma da tarde, sol a pino - e estamos falando do sol do sertão brabo - impávidas, de botas, indo pro curso de inglês. Quando perguntei se as meninas gostavam desse inverno escaldante, sabe o que me respondeu?
-Puxaram a mim, fazem qualquer sacrifício pela beleza!
No enterro de meu pai, Wanda Guerra conduziu o serviço fúnebre, competente e emocionada, ele decerto não gostaria de ter um padre fazendo esse ritual e deve ter ficado satisfeito com a preleção da amiga de tantos anos.
Lembro bem que Jesús, meu irmão, comprou um caixão muito simples, caixãozinho furreca, o mar não estava pra peixe, a grana tava curta e assim foi feito. Meu pai era um homem grande e pesado. Wanda, entre outras coisas, fez parte do comitê que convenceu tia Angelita a desistir da idéia de carregar o defunto na mão, usando o forte argumento de que ele era gordo e o fundo do ataúde podia ceder pelo peso. Como se vê, eram muitas as suas habilidades.
A última vez que a vi foi em sua casa, em Juazeiro, onde passei rapidamente para uma delícia de cuscuz com café, carne do sol acebolada e uma conversa maravilhosa. Wanda Guerra nos deixou hoje e eu estou triste demais com isso. Com ela vai uma parte bacana da nossa história de família, de Juazeiro, de um tempo leve e feliz, que não vai morrer nunca em minha memória.
P. S. Espero que tenha deixado em testamento sua bala puxa e sua receita imbatível de coxinhas.
Mônica Sangalo
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