O que fazer com a água de esgoto no meio rural? Tem como reutilizá-la? Quais as tecnologias disponíveis? A população rural também tem direito ao saneamento, tal qual a população urbana? Estas e outras perguntas foram respondidas entre os dias 10 e 12 de março, durante o Curso de Saneamento Rural, realizada no Centro de Formação Dom José Rodrigues - CFDJR, em Juazeiro.
Agricultoras/es, pesquisadoras/es, integrantes do poder público estadual e colaboradoras/es do Irpaa debateram as possibilidades de tecnologias para proporcionar a comunidades rurais o acesso ao tratamento adequado do esgoto.
Mateus Mayer, pesquisador do Instituto Nacional do Semiárido - Insa, foi um dos palestrantes. Ele revela que “o Insa já desenvolve, há algum tempo, tecnologias de tratamento de esgoto para reuso agrícola”. Uma destas tecnologias – o sistema de tratamento de águas totais, composto de reator anaeróbico seguido de lagoas de polimento – foi apresentada por Mateus durante o evento.
Segundo ele pode-se destacar como vantagens da tecnologia o alto nível de remoção de matérias orgânicas, a preservação de nutrientes importantes para as plantas e a diminuição de patógenos, que são nocivos à saúde humana. Este modelo de tecnologia faz o tratamento das chamadas águas totais, que inclui as águas advindas do vaso sanitário. O pesquisador do Insa ainda apresentou o sistema conhecido por Bioágua, que trata as águas cinzas, estas provenientes do uso em pias, chuveiros, máquinas de lavar etc.
Apresentando bons resultados de análises laboratoriais, o pesquisador garantiu a segurança sanitária no uso da água de esgoto tratada, porém fez observações no que diz respeito à forma de aplicação. “É recomendado irrigar na superfície do solo. Não irrigue diretamente na fruta ou na folha. Aí você vai ter a segurança sanitária”, garante Mateus.
O Irpaa está implantando no CFDJR o reator anaeróbico seguido de lagoas de polimento. Já o sistema de tratamento das águas cinzas está implantado pela instituição em algumas residências na comunidade de Canoa, em Juazeiro, local onde as/os participantes do evento viram de perto o funcionamento da tecnologia.
A jovem Delma Lino, uma das beneficiadas em Canoa, conta que “antigamente a água ficava toda empossada, gerando insetos e o mau cheiro. A água ficava próximo da casa e isso causava doença também”. Com a implantação do sistema, Delma utiliza “a água para irrigar a palma, que já é uma ração para os animais. Isso é bem interessante”, considera a jovem agricultora.
A fala de Delma gerou ainda mais expectativa para Gizélia Medrado, moradora da comunidade de Mucambo, em Curaçá-BA. Ela faz parte de uma família que receberá um sistema de tratamento de águas totais. “Me animou... a água que a gente capta tem que aproveitar com total cuidado e essa água cinza, junto com a água total, era um desperdício”, aponta a agricultora curaçaense. Ela espera poder utilizar a água na irrigação de palma e sorgo, que servirá de alimento para caprinos e ovinos.
Samuel Castro é da região de Amalhador, em Casa Nova-BA. Ele também participou da formação e conheceu a proposta de reúso do esgoto tratado um pouco antes do evento. Samuel diz que já está divulgando a ideia junto a familiares. “Quando viajei para minha comunidade já repassei para os meus familiares”. Assim como Samuel, seus familiares ficaram surpresos com a novidade, mas interessados, tendo em vista a importância sanitária e ambiental. “Tanto a gente protege o meio ambiente e também livra das bactérias nossos animais domésticos e crianças”, argumenta Samuel.
Aldenisse de Souza, colaboradora do Irpaa, diz que essa iniciativa da sociedade civil é importante, mas chama atenção para a necessidade do poder público se envolver na busca de soluções adequadas para o saneamento rural. “Precisamos reforçar que o saneamento é um direito do município como um todo. O cidadão e a cidadã estão presentes no urbano e no rural”, argumenta Aldenisse.
A colaboradora do Irpaa diz que nas periferias das cidades o saneamento é um direito ausente, mas quando se fala no ambiente rural, esse direito é ainda mais distante. Em muitos lugares sequer existe a coleta de lixo, uma das vertentes do saneamento básico. Utilizando-se do sentido da palavra saneamento, Aldenisse defende que o campo seja de fato um lugar “habitável, sadio”.
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