Se na campanha eleitoral a moralização dos atos parlamentares estava na pauta de 10 entre 10 candidatos, o primeiro mês de mandato dos novos deputados e senadores mostrou que o discurso está distante das promessas. As primeiras movimentações explicitaram pouca ou nenhuma iniciativa para acabar com as mordomias no Congresso — e não são poucas, principalmente comparadas aos direitos dos trabalhadores brasileiros.
O Correio listou prerrogativas de parlamentares que não fazem qualquer sentido para o cidadão comum — e que não têm paralelo com países desenvolvidos e com democracia consolidada. Entre as mordomias, está a ajuda de custo para mudanças, o que representa, sem qualquer sentido, dois salários a mais no início e no fim do mandato.
Outro ponto é o uso indiscriminado de carros oficiais pelas autoridades. Apenas no Executivo, mais de 100 pessoas têm direito a um veículo para se deslocar, além do presidente, do vice e dos ministros de Estado. No Legislativo e no Tribunal de Contas da União (TCU), senadores e ministros têm carros à disposição. No Judiciário, se forem considerados todos os tribunais e, mesmo fora do Poder, o Ministério Público, o número sobe de maneira exponencial.
O descalabro no Congresso segue com a aposentadoria especial de parlamentares, 55 assessores, verbas indenizatórias — mesmo com profissionais à disposição na Câmara e no Senado —, apartamentos funcionais e passagens aéreas. Tudo fora do salário de R$ 33,7 mil por mês, em parte do tempo pouco ou nada honrado pelos parlamentares, como ocorreu na semana passada e voltará a se repetir nas próximas quarta, quinta e sexta-feiras.
Reportagem do Correio da última sexta-feira mostrou que parlamentares devem queimar R$ 5,5 milhões pelos seis dias não trabalhados, sem considerar os penduricalhos das verbas de gabinete e os custos funcionais. A próxima sessão deliberativa na Câmara está marcada para o dia 12. Neste um mês de trabalho desde a posse dos políticos no parlamento, a principal comissão, a de Constituição e Justiça (CCJ), sequer foi instalada, fazendo com o que a reforma da Previdência não avançasse uma única casa desde que o texto foi anunciado.
A expectativa é a de que, com a volta do Congresso depois do carnaval, as mudanças nas regras de aposentadoria ganhem ainda mais protagonismo, impedindo qualquer avanço de pautas relacionadas à transparência e ao controle de gastos públicos.
“Não existe Estado democrático de direito sem um poder legislativo atuante, mas, para isso, ele não precisa ser gordo, inchado e cheio de privilégios, como é hoje”, diz o senador Reguffe (sem partido-DF), autor dos principais projetos em tramitação para reduzir custos no Congresso.
O orçamento do Senado previsto para este ano é de R$ 4,5 bilhões. A folha de pessoal chega a 84,19% desse bolo. “Desses, 45,66% são com aposentados e pensionistas, isto é, bem próximo da metade do gasto com pessoal, situação semelhante à do Rio Grande do Sul, que gasta hoje 54% da folha com inativos. Se não houver um rigoroso estudo e tomada de decisão que mude o atual rumo perdulário, dentro de poucos anos, o Senado será financeiramente inviável”, emenda Martins.
Para o professor Pablo Holmes, o poder da burocracia brasileira e dos políticos é quase imperial, fortalecendo laços entre eles que passam longe da realidade brasileira.
“Uma coisa é o discurso do palanque, outra é a acomodação dos parlamentares depois de eleitos. Avançamos muito ao longo dos últimos anos em relação a privilégios, mas ainda nos falta muito, apesar da pressão de setores sociais”, diz. O debate fiscal, a partir da falta de recursos, é cada vez mais presente na sociedade. “O sistema político ainda permite essa defesa dos privilégios, que vai sendo minado com o tempo, por mais longo que seja esse processo.”
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, afirma que a Casa vem economizando nos últimos anos e que tem cortado gastos em todos os setores. “A gente cortou muita coisa. Nos primeiros dois anos depois da aprovação da PEC do Teto, a Câmara dos Deputados foi o poder, do ponto de vista nominal, que cresceu menos as despesas, 2,8% do ponto de vista nominal, e do ponto de vista real foi negativo, já que a inflação foi maior que 2,8. Então, nós devolvemos R$ 700 milhões para o governo federal.”
Maia destaca ainda que, entre todos os gastos, a maior despesa da Casa é com aposentadorias e diz que uma reforma administrativa será realizada para reduzir custos.
“Agora, estamos começando um trabalho com os recém-eleitos, de reforma administrativa. Vamos fazer a reforma. Precisamos reorganizar em todos os poderes”, frisa.
“Eu comando a Câmara. Se colocar salário e aposentadoria da Câmara, dá quase R$ 4 bilhões. O que custa menos é o deputado. Se você cortar o deputado, ou seja, se não tiver parlamentar na Câmara, ainda teremos uma despesa bilionária. É um dado da realidade. O Executivo é caro, o Judiciário é caro. Foi isso que nós construímos ao longo de 30 anos.” O Correio tentou contato com o presidente do Senado, David Alcolumbre (DEM-AP), mas não teve retorno.
“Não existe Estado democrático de direito sem um poder legislativo atuante, mas, para isso, ele não precisa ser gordo, inchado e cheio de privilégios, como é hoje”
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