Na área mais selvagem da Caatinga, zona rural do município de Coronel José Dias, no Piauí, foi inaugurado este mês, o Museu da Natureza. Realizada pela Fundação Museu do Homem Americano na zona de entorno do Parque Nacional da Serra da Capivara, Patrimônio Cultural da Humanidade, o empreendimento científico e cultural pretende estimular também o incipiente turismo na região.
Em quase todas as culturas antigas sobreviveu, de uma forma ou de outra, o simbolismo da Fénix: a ave que renasce das suas próprias cinzas. Analisando a história das últimas quatro décadas na Caatinga do Parque Nacional da Serra da Capivara, no sertão piauiense, a metáfora parece resistir aos milênios, ainda mais quando desvendamos, como numa escavação arqueológica, camada por camada, a história contemporânea da pesquisadora Niéde Guidon.
Aparentemente a narrativa da Fénix surge na mitologia grega, que se refere a uma ave lendária, mas a lenda também foi passada de geração em geração pelos egípcios e até mesmo pelos chineses, com uma mensagem determinante: a esperança nunca acaba e podemos sempre, mesmo dos destroços, renascer.
Impossível não fazer uma analogia entre mitologia e ciência tendo como referência uma pesquisadora de 85 anos, com exatamente a metade da sua vida dedicada aos estudos no interior do Brasil. Suas descobertas mexeram com a comunidade científica e suscitam novas questões sobre a antiguidade do homem americano.
Quando a máquina federal burocrata, insensível, enferrujada com as suas engrenagens travadas pela corrupção alimenta a crise mais aguda já vivida pelo Parque Nacional da Serra da Capivara, deixando a professora Guidon dentro de um buraco – não aquele das escavações arqueológicas, mas um poço sem fundo quase afogada pela falta de recursos e apoio para proteção, manutenção e conservação dessa reserva ambiental exemplar – ela surpreende e, como nas lendas, faz surgir do solo árido e arenoso uma obra fantástica: o Museu da Natureza.
A determinação de Niéde em criar um novo museu foi transportada para o papel pela arquiteta Elizabete Buco, que já tinha sua marca na região com o planejamento de passarelas de acesso aos sítios arqueológicos no Parque Nacional da Serra da Capivara e a confecção do projeto do Centro Cultural Sérgio Motta, onde estão os laboratórios da Fundação Museu do Homem Americano (Fumdham), entidade científica de renome internacional.
Buco assina agora o projeto do Museu da Natureza em conjunto com a conceituada empresa de arquitetura A. Dell’Agnese Arquitetos Associados. Moldado com aço, concreto, alvenaria e vidros, o museu incorpora organicamente em seu interior uma rampa helicoidal no sentido ascendente para apresentar a evolução dos eventos geológicos e paleontológicos desde as origens da região até os dias atuais.
De um lado, protegido pela Caatinga selvagem, oito meses seca e apenas quatro exuberantemente verde, com as suas árvores retorcidas e entrelaçadas, plantas urticantes, cactos espinhentos, e do outro, cercado por um complexo de cânions e desfiladeiros coloridos, a obra se destaca em um terreno elevado, escolhido pessoalmente por Niéde Guidon, dando origem a um prédio de 4 mil metros quadrados, único no País. “Não há outro edifício circular e em espiral construído com estrutura metálica. Somente no exterior existem alguns exemplos com essa forma”, explicou o arquiteto Luiz Eugenio Ciampi em entrevista para o portal AECweb, site de arquitetura, engenharia e construção.
O novo espaço de ciência, cultura e incentivo ao turismo possui 12 salas de exposição, sob a responsabilidade da conceituada empresa Magnestocópio, liderada pelo visionário Marcello Dantas com trabalho reconhecido por instituições como a Society of Environmental Graphic Design de Washington (EUA) e com a coordenação de montagem de Sérgio Santos, que deslocou para o sertão do Piauí um “batalhão” de premiados artistas, pesquisadores, técnicos e profissionais especializados nas mais inovadoras e modernas tecnologias museológicas.
Entre os temas das salas do museu estão: início da matéria, tectônica de placas, água, suco de dinossauros, gelo infinito, a primeira transformação, desfile animal, animais pintados, caatinga, voo livre, animais noturnos e a próxima mudança. Na reta final de montagem da exposição para a inauguração na última terça-feira, 18 de dezembro, fica evidente um espetáculo que deve encantar do simples sertanejo morador da zona de entorno do parque ao turista mais viajado.
Todo o projeto, da sua concepção aos menores detalhes científicos, foram monitorados pela equipe multidisciplinar da Fumdham, criada sob a liderança de Niéde Guidon, Anne-Marie Pessis, Gabriela Martin e outros pesquisadores no começo da década de 1990. Naquele período, a uruguaia Rosa Trakalo tornou-se uma das assistentes mais próximas de Guidon, e coube a ela a gestão do projeto do Museu da Natureza – inclusive a captação dos recursos junto ao BNDES, que investiu R$ 13,7 milhões não reembolsáveis nesse empreendimento vizinho ao Parque Nacional da Serra da Capivara.
Infelizmente, o incêndio devastador no Museu Nacional no Rio de Janeiro, que queimou parte do nosso patrimônio e manchou a imagem do Brasil no exterior, precisa servir de alerta fazendo com que o Museu da Natureza, na zona rural do pequeno município de Coronel José Dias, se materialize com a responsabilidade de representar o País e mostrar de forma séria e economicamente viável como cuidar do patrimônio cultural e natural tendo como foco a perpetuação do conhecimento para as novas gerações de forma segura e sustentável.
Conta a lenda que a Fénix era um pássaro de penas douradas e brilhantes com uma força descomunal, capaz de transportar um elefante, embora ela própria não fosse maior do que uma águia. Com o legado do Museu da Natureza para as atuais e futuras gerações, Niéde Guidon se mostra ágil e poderosa como a ave da mitologia e torna-se um importante símbolo da imortalidade e do renascimento.
© Copyright RedeGN. 2009 - 2024. Todos os direitos reservados.
É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita do autor.