O medo estaria dominando o jornalismo e as redações de rádio, tv e jornais? Para o jornalista, escritor e ex-editor chefe do El Mundo, David Jimenez, a resposta é sim. Medo da concorrência das empresas de tecnologia, que avançam no território antes dominado pelo jornalismo tradicional; medo do conteúdo não agradar; medo das demissões, que só em Espanha atingiram 15.000 profissionais nos últimos 10 anos. Especialmente, medo do que certas forças são capazes de fazer para acabar com a liberdade de imprensa.
O que fazer com esse sentimento e com essa avalanche de mudanças que chegou soterrando o Jornalismo em todo o mundo? Apesar de não haver receitas prontas, nem muito menos fáceis, um dos caminhos pode ser transformar o medo em oportunidades, sem deixar de levar em conta os sinais que o medo aponta, o estado de alerta em que o medo nos coloca e que muitas vezes nos salva.
É o próprio Jimenez que relembra algumas situações em que como correspondente de guerra em lugares como Afeganistão, Paquistão, Timor Leste ou Sri Lanka respeitou o medo e acabou por não fazer nenhuma estupidez, sem deixar de fazer o que devia. E é aí que está a diferença. Há um medo que paralisa e te impede de agir e fazer o que precisa e há o medo que te orienta a agir de forma segura, refletir sobre os melhores destinos a seguir.
Temos que nos apegar ao medo que traz oportunidades e nos abre os olhos. Só ele vai nos ajudar a encontrar novas soluções, novas miradas, novos caminhos. O medo que nos derruba e empurra para a escuridão e de volta para a caverna não nos fará crescer.
Infelizmente, para Jimenez — que esteve em julho na Media and Information Literacy Summer School da Faculdade de Comunicação da Universidad Autónoma de Barcelona e compartilhou essas reflexões — em tempos de crise no jornalismo e de novos modelos de negócio ainda não tão consolidados, o medo tem sido mais inimigo do que amigo para os jornalistas.
O medo da crise tem feito o jornalismo abdicar de seus princípios e ver a publicidade, o marketing e as relações públicas tomarem seu lugar. O interesse do público e o sensacionalismo tomam o lugar do interesse público, em nome de uma audiência sem rosto. Em nome do medo.
Segundo Jimenez, a resistência à mudança da mídia tradicional e a dificuldade em adaptar-se aos novos tempos, colocou jornais como El Mundo, à beira de um precipício e causou a demissão de centenas de profissionais, além de enfraquecer a liberdade editorial, o maior bem de um jornalismo de qualidade. “Nos últimos seis anos, a Espanha sofreu o maior recuo nos direitos de liberdade de expressão desde a morte do general Franco em 1975”, afirma.
A saída encontrada por muitos jornais tem sido vender as informações como se estivessem em um leilão. O custo? A credibilidade. “Em vez de sermos os guardiões do sistema, nos tornamos parte do sistema. E nossos leitores notaram”, diz Jimenez que, apesar de tudo, mantém o otimismo e acredita que é hora de para de olhar os erros e buscar as oportunidades, mirando a luz no fim do túnel.
Nunca houve tanta oferta de informações hoje em dia. E, segundo Jimenez, quem investiu desde cedo em diferenciar-se pela qualidade está prosperando e mostrando os caminhos a seguir. Também estamos vendo grandes jornais reverterem o erro de terem ofertado de graça seu conteúdo logo que a internet surgiu e veículos como The Washington Post, The Wall Street Journal e Financial Times, entre outros, melhorando a monetização de seu conteúdo, além do The New York Times, com mais de 2,5 milhões de assinantes digitais pagos.
Na Europa, ocorre o mesmo e, segundo Jimenez, e as pessoas estão dispostas a pagar pelo jornalismo, desde que tenham a garantia de que é de qualidade. O que não pode acontecer é a tomada de decisões baseadas no medo de perder leitores, perder anunciantes. E, dessa maneira, acabar baixando o padrão do jornalismo e manter modelos antigos de publicidade. Não funcionou. “Como temíamos a tecnologia, decidimos defender um passado que não existia mais, em vez de abraçar o futuro”, diz Jimenez, que termina com uma frase desafiadora para todos os jornalistas:
“(…) O jornalismo é sobre descobrir, ir a lugares, sair da zona de conforto em busca do novo. O jornalismo é sobre ousadia e por muito tempo não ousamos fazer o que sabemos melhor. Na Espanha, isso significava que os jornalistas não estavam conseguindo as habilidades necessárias para o jornalismo de hoje, as redações não eram modernizadas (…) Acredito que é hora de nós jornalistas ousarmos novamente para ir além da nossa zona de conforto e abraçar o risco e a descoberta. Porque está lá, no desconhecido, onde as próximas oportunidades serão encontradas.”
Essas reflexões foram feitas partir de palestra e texto de David Jimenez na “Media and Information Literacy Summer School”, da Faculdade de Comunicação da Universidad Autónoma de Barcelona, realizada em Julho de 2018, da qual o jornalista foi palestrante e nós participamos como pesquisadora doutoranda.
*Cristiane Parente é jornalista e doutoranda na Universidade do Minho, em Portugal, desenvolvendo pesquisa sobre a relação entre Observatórios de Mídia e Media Literacy.
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