Quando se perde alguém, ficam as memórias, a vontade de homenagear, de dirigir as últimas palavras cordiais. O costume de escrever e descrever sentimentos, pensamentos ou ações para lembrar quem morreu faz parte da sociedade há milênios.
O tempo transformou os epitáfios em uma tradição social, com o objetivo de fixar na memória dos que permanecem, e mesmo de quem ainda está por vir, uma representação póstuma positiva da imagem ou do seu ideal em vida. Simples ou poéticas, sóbrias ou descontraídas, as inscrições nas lápides são o último recado, a quem interessar possa.
De acordo com estudos da pesquisadora e doutora em linguística pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Fabíola de Jesus Soares Santana, os epitáfios têm sido estruturados ao longo dos tempos para convencer que as virtudes se sobressaem após a vida; provocar reflexão sobre a linha tênue entre a vida e a morte e compartilhar do luto familiar com os outros membros da sociedade à qual o morto pertencia, funcionando como um mecanismo de integração, identificação, localização do corpo e expressão do luto.
Segundo Fabíola, a estrutura formal, presente na maioria dos epitáfios, contém a data de nascimento, a história da vida, e a data da morte. Ainda de acordo com ela, há uma grande variedade de formas textuais nas escrituras presentes nas lápides como poemas, citações, agradecimentos, narrativas biográficas, dedicatórias e cartas psicografadas que enaltecem a importância social do falecido.
“O epitáfio tem como objetivo fazer uma síntese das características da pessoa que se foi. Então, nós podemos citar exemplos de epitáfios notáveis como os feitos a Manoel Borba, a Abreu e Lima, o feito por Castro Alves para Pedro Ivo (herói da Revolução Praieira, que durou de novembro de 1848 a março de 1849, morto misteriosamente em uma das batalhas e jogado ao mar). Sobre a morte de Pedro Ivo, trata-se de uma recordação, com o objetivo de perpetuar aquela pessoa para a eternidade”, explica o historiador Carlos Bezerra Cavalcanti, integrante do Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano e da Academia Recifense de Letras.
“Se você observar um epitáfio, consegue perceber que o objetivo de quem fez é justamente eternizar ali, em poucas palavras, o que ela representou para a família, ou para a sociedade, para a comunidade ou até para o mundo”, afirma.
Para o historiador, as diferenças entre os anos são perceptíveis desde a confecção dos epitáfios, nas letras, na grafia, até na maneira romântica de se referir ao finado. "Logicamente que o tempo muda um pouco essas características. Uma pessoa que faleceu como, por exemplo, Joaquim Nabuco, tem um epitáfio diferente do ex-governador Eduardo Campos ou de seu avô, Miguel Arraes. São tempos diferentes, pessoas diferentes e costumes diferentes. Antigamente era uma época mais romântica, uma época mais sensível e também tinha mais sentimento poético. Hoje em dia é desfeita de certos sentimentos e não são aceitas essas recordações” comparou.
Mariana Simonetti é psicóloga do luto do cemitério Morada da Paz. Ela ajuda pessoas a passarem pelo luto e ensina como lidar com a perda. De acordo com ela, os epitáfios são um passo importante nesse processo. “O luto é um processo singular e o que se deve fazer é deixar a pessoa enlutada à vontade para que expresse seus sentimentos. Todos os mecanismos e processos que permitem a pessoa falar sobre o luto e expressar os seus sentimentos, tentem a ajudar bastante. Claro que nem sempre tem que ter uma forma específica para isso.”
Ainda de acordo com a psicóloga, deve-se também respeitar a pessoa, se ela não quiser falar sobre, ou lhe dar todo o espaço para que ela se sinta à vontade em lembrar e falar muitas vezes. “Estas pessoas ficam com a sensação de realmente não querer esquecer e com medo de vir a esquecer algum dia. Quando ela não fala sobre isso, esse medo aumenta e se torna mais evidente. E esses processos que incitam a falar, como os epitáfios, que irão preparar o campo para falar sobre o luto, ajudam bastante”, afirmou a psicóloga.
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