Em tempos em que notícias falsas (asfake news) são compartilhadas diariamente redes sociais, o jornalismo tornou-se cada dia mais necessário. A avaliação é do conselheiro de Comunicação e Informação da Unesco, Guilherme Canela.
"Ironicamente, o modelo do jornalismo nunca esteve tão em xeque, do ponto de vista de modelo econômico, mas nunca foi tão necessário. Ou seja, o fato de haver uma profusão de elementos informativos ou opinativos nas redes sociais, faz com que os editores de informação, os que investigam o que é fato e o que é mentira, sejam absolutamente centrais para os regimes democráticos, sobretudo em períodos pré-eleitorais e eleitorais", disse.
Em entrevista à Agência Brasil, em Montevideú, Canela fala sobre o acesso à informação pública, liberdade de imprensa e assassinato de jornalistas. A Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, estabelece o acesso à informação pública não apenas como o direito de transmitir ou receber informações, mas também o de buscar.
“O cidadão tem o direito de perguntar ao Estado o que ele quiser. E o Estado não tem o direito de perguntar ao cidadão porque ele quer saber. Isso é a essência do direito humano ao acesso à informação", disse.
Canela destacou que uma das novidades da Agenda 2030 é a meta dos países oferecerem acesso à informação pública. Para a Unesco, há um reconhecimento crescente da importância desse direito. Em 2011, 90 países tinham leis que tratavam da liberdade de acesso à informação, em 2016, eram 112 países.
Na entrevista, o conselheiro defende ainda que a informação pública não deve ser usada apenas para o combate à corrupção. "O acesso à informação pública e à liberdade de expressão é fundamental para garantir mais democracia, desenvolvimento e direitos humanos. É preciso desconstruir a ideia de que o acesso à informação pública só serve para combater a corrupção", afirma Guilherme Canela.
Ele defende que a transparência e a divulgação de dados públicos podem, literalmente, salvar vidas. Canela cita como exemplo denúncia, resultante de uma consulta a dados públicos, apontou que a Força Aérea Brasileira (FAB) dava prioridade ao transporte de autoridades em vez de transportar órgãos para transplante. Após a divulgação da denúncia, uma lei determinou que a FAB deveria manter disponível, sempre, pelo menos um avião para o transporte de órgãos, tecidos e partes do corpo humano, o que ajudou no aumento do transporte de órgãos no país, segundo Canela.
Em relação às ameaças à liberdade de imprensa, o informe traz dados atualizados sobre violência contra jornalistas. Entre 2012 e 2016, 530 profissionais foram assassinados no mundo. O maior número de assassinatos ocorreu nos Estados Árabes, com 191 mortos. Em segundo lugar, aparece a América Latina com 125. |
Na avaliação de Canela, assassinatos de jornalistas, comunicados e fotógrafos “é a última fronteira da censura”. Ele destaca que de cada dez assassinatos, apenas um tem resultado na Justiça, o que passa “a mensagem muito clara de que o custo de matar um jornalista é muito baixo para os agressores”.
"Cada jornalista assassinado é um observador a menos da realidade social, de conflitos de terra, de meio ambiente, de mineração ilegal, do narcotráfico, de políticos corruptos, policiais corruptos, etc. E esse cenário de graves violações da liberdade de imprensa tem um outro efeito perverso, que é a autocensura. Em muitos lugares, os jornalistas, de maneira absolutamente compreensível, se autocensuram, dados os níveis de violência".
Em seu informe, a Unesco cita o aumento da crítica hostil aos jornalistas e meios de comunicação por parte de lideranças políticas, elevando a intolerância contra os profissionais da imprensa.
"Nos últimos anos, de maneira muito mais intensa, políticos latino-americanos, em vários países da região, intensificaram um discurso simbólico contra a imprensa, com terminologias como 'imprensa corrupta', 'jornalistas vendidos', 'imprensa que gera fake news '. Mas não compete a um líder político generalizar isso, sem provas. Esse discurso contra a imprensa contribui para a violência. Os líderes tinham que ter muito claro que é papel deles, a todo momento, sublinhar de maneira inequívoca a importância da liberdade de imprensa para as democracias. Isso não quer dizer que os políticos não possam discordar do que os jornalistas produzem. Mas essa discordância não pode estimular a violência, desacreditar a liberdade de imprensa", afirma Canela.
Canela aponta ainda concentração dos meios de comunicação, por empresas privadas ou pelo Estado. O conselheiro defende a coexistência de meios de comunicação privados, comunitários e públicos para uma imprensalivre e robusta.
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