“Creio em Deus todo poderoso, Criador do céu e da Terra; e em Jesus Cristo, seu único Filho, nosso Senhor; que foi concebido pelo poder do Espírito Santo...”
O Brasil é um país oficialmente laico. Ainda assim, tem em sua maioria uma população que professa o cristianismo como a sua principal crença. Por isso, trouxe o Credo para o início desse texto e lembro aos que crêem, o perdão dos pecados daqueles e daquelas que compreendem ser Jesus Cristo ‘o perdoador’, segundo Paulo, o apóstolo, em sua carta à igreja em Éfeso, o perdão divino só alcança a humanidade pela graça: “Pois pela graça de Deus vocês são salvos por meio da fé. Isso não vem de vocês, mas é um presente dado por Deus”. (Efésios 2:8).
A necessidade de falar sobre graça, amor e perdão em meio a um processo tão delicado que estamos vivendo nos últimos dois anos no Brasil, foi impulsionada quando ontem lendo alguns posts na time line da minha conta em uma certa rede social, me deparei com um amigo por quem tenho grande carinho e decidi saber como ele estava passando, já que não nos encontramos há algum tempo.
Eu li algumas postagens desse amigo e fiquei intrigada com um post de uma figura que faz parte do rol de amigos e amigas dele, quando algo me constrangeu. Não fiquei chocada, porque poucas coisas me abalam nas redes sociais, por ser um espaço em que raras pessoas sabem o quanto podem se expor negativamente e com isso, perder uma vaga de emprego e até uma chance para melhorar de vida. É comum lermos as mais bizarras opiniões acerca do que nunca se ouviu sequer falar!
Voltando ao que foi postado ‘pela amiga do meu amigo’, vamos entender o porquê início trazendo à memória do povo que professa a fé em Jesus Cristo: a graça, o amor e o perdão.
Uma mulher que em outras postagens de sua página, falará do amor e do perdão de Deus, escreve: “- Aborto bem sucedido é quando a mãe morre junto”. Outra que frequenta assiduamente uma determinada igreja, vai reforçar a afirmação: “- Olho por olho, dente por dente! Quem mata tem que morrer!”.
Chocada não fiquei, mas confesso, meu coração sentiu uma dor forte ao lembrar de milhões de mulheres que, enquanto escrevo no conforto da minha casa, estão sendo levadas para clínicas clandestinas, por políticos inclusive, para praticarem abortos ilegais. A maioria, vítimas de estupros e violências sexuais, incluindo crianças e adolescentes.
A primeira afirmação mostra, além da falta de conhecimento do tema, a falta de amor até por si própria, ante os dados estatísticos do Brasil:
· A cada 11 segundos uma mulher é estuprada no Brasil.
· A cada 1 minuto uma mulher faz aborto no Brasil.
· Dos abortos legalizados, mais de 50% são feitos em crianças e adolescentes entre 10 e 13 anos vítimas de abusos sexuais por pais, padrastos, tios ou pessoas próximas da família.
· O Nordeste é a região onde mais se pratica aborto no Brasil – 419 mil/ano.
· Somente 10% das mulheres que praticam aborto têm curso superior. A maioria, 90% tem médio completo, fundamental ou não teve instrução.
A criminalização do aborto tem matado mulheres de todas as idades diariamente. Não dá para permanecermos na indiferença justificando-nos pela ignorância dos fatos, ou pelo que for.
Na segunda afirmação, não a julgo pela vida que leva por não conheça-la. Todavia, pelo que escreveu a próprio punho, cabe lembrá-la que, além dos fatos acima citados serem reais, a narrativa ‘olho por olho, dente por dente’ ficou há mais de 2 mil anos para atrás com a morte e ressurreição de Jesus Cristo, nas páginas e práticas da Velha Aliança ou do Velho Testamento como queira chamar.
E muito mais do que isso. Se você e eu alcançamos e creio mesmo que alcançamos o perdão de Deus, foi por misericórdia, porque como diria Jeremias, o profeta que mais chorou pelos pecados de Israel: “O amor do Senhor Deus não se acaba, e a sua bondade não tem fim. Esse amor e essa bondade são novos todas as manhãs”. (Lamentações 3: 22 - 23).
E é do amor que nos perdoa todas as manhãs que devemos lembrar quando julgarmos e condenarmos as mulheres que são sentenciadas à culpa e até a morte, quando quisermos impor sobre essas a fé que cabe a cada uma escolher, como bem queira.
Vamos lutar para mantermos a laicidade do nosso Brasil. Aborto é uma questão de saúde pública e não de religião.
Célia Regina Carvalho - Mulher, mãe, cristã, hétero, cis, feminista, socialista, petista, militante da causa LGBT, antirracista, defensora da vida.
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