A ILEGALIDADE DA APREENSÃO DE VEÍCULOS POR FALTA DE PAGAMENTO DO IPVA

13 de Aug / 2018 às 16h00 | Espaço do Leitor

*Josemar Santana

As recentes “blitzes” que vem sendo realizadas em Senhor do Bonfim (Bahia), pela Polícia Militar em apoio ao DETRAN tem causado inúmeras reclamações de proprietários e condutores de veículos, porque além de multa que lhes são aplicadas, o proprietário do veículo tem que pagar taxas de estadia em estacionamento credenciado pelo órgão de trânsito (R$ 50,00 por dia) e Reboque (R$ 250,00) e o condutor ainda perde 7 (sete) pontos em sua Carteira Nacional de Habilitação-CNH.

Essas “blitzes” estão sendo conhecidas como “Blitzes do IPVA”, que teriam o objetivo de coagir os proprietários de veículos automotores a pagarem os IPVAs de seus veículos que não tenham sido pagos no momento do LICENCIAMENTO, causando comentários diversos nos meios de comunicação e, principalmente, entre a população que desconhece a legislação que trata do assunto.

Com o propósito de esclarecer a população, necessário se faz discorrer sobre a diferença entre IMPOSTOS e TAXAS que são obrigatórios aos proprietários de veículos automotores, incluindo-se os elétricos, articulados, reboques ou semi-reboques citados no CTB (Código de Trânsito Brasileiro), especialmente nos artigos 120 (referente ao registro do veículo em nome do proprietário) e 130 (referente ao licenciamento do veículo para circular em vias públicas).

De início deve-se esclarecer que IMPOSTOS SÃO OBRIGATÓRIOS e TAXAS dependem de uso do objeto. Explico: Quando a pessoa adquire um veículo automotor (sejam motos, carros, caminhões, embarcações, aeronaves etc.) devem pagar o IPVA-Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotores. Basta, portanto, adquirir o veículo para estar obrigado a pagar o IPVA. O LICENCIAMENTO para circular o veículo em vias públicas (terrestres, aquáticas ou aéreas) é uma TAXA e será paga se o veículo circular. E o documento que o condutor deve portar é o CRLV-Certificado de Registro e Licenciamento de Veículo.

O IPVA é um imposto estadual cobrado anualmente de qualquer pessoa física ou jurídica que adquira um veículo e o valor arrecadado serve para financiar serviços básicos da população, a exemplo de saúde, educação, segurança, transporte, etc, e por ser imposto estadual o seu valor se altera dependendo do Estado ao qual o veículo está registrado. Esse valor varia entre 1% (um por cento) a 6% (seis por cento) sobre o valor pago pelo proprietário do veículo e vai sofrendo redução de acordo com a desvalorização pelo uso, ano a ano, com base em Tabela de Preços de Veículos Usados. O valor pago pelo IPVA é destinado metade ao Estado e a outra metade ao Município no qual o veículo foi emplacado.  A data limite para pagamento do IPVA é a indicada de acordo com o número final da placa do veículo. Se o proprietário não paga o IPVA (imposto), não pode obter o LICENCIAMENTO. Se o veículo for parado numa “blitz” e não tiver o LICENCIAMENTO pago poderá ser multado e rebocado para o pátio de estacionamento de veículos apreendidos, além de multa a ser aplicada ao condutor, causando perda de pontos na sua CNH.

O LICENCIAMENTO é realizado também anualmente e é necessário ser pago para que o veículo possa circular de forma legal, sendo uma forma encontrada pelo governo para fiscalizar se o veículo está em conformidade com as normas ambientais e de segurança do país, e o seu pagamento é comprovado pelo CRLV-Certificado de Registro e Licenciamento de Veículo, que deve estar sempre na posse do proprietário ou condutor, quando estiver em circulação. O LICENCIAMENTO também depende do número final da placa do veículo, na seguinte relação. Final 1, Mês de abril; Final 2, mês de maio; Final 3, mês de junho; Final 4, mês de julho; Finais 5 e 6, mês de agosto; Final 7, mês de setembro; Final 8, mês de outubro; Finais 9 e 0, mês de novembro e Final 0, mês de dezembro. Se o LICENCIAMENTO não estiver pago e o veículo for parado numa “Blitz” ou posto de fiscalização de tráfego, a multa para o proprietário do veículo ou condutor é de 7 pontos na CNH e mais a apreensão do veículo.

O DPVAT (Danos Pessoais causados por Veículos Automotores De Vias Terrestres) é um Seguro Orbigatório que o proprietário do veículo deve pagar e serve para os casos em que há indenizações a serem pagas às pessoas que sofrerem algum tipo de acidente envolvendo o veículo. Metade do valor pago pelo DPVAT é destinado ao pagamento de indenizações e administração do seguro e a outra metade é destinada a manutenção da saúde e no investimento em política nacional de trânsito. Se o DPVAT não for pago não será possível realizar o LICENCIAMENTO do veículo e se for parado numa “Blitz” haverá multa. Quanto à indenização pelo DPVAT terão direito aqueles que sofrerem acidente de trânsito com envolvimento de veículos automotores nos últimos três anos e é necessário que do acidente registrado em Boletim de Ocorrência tenha resultado em morte (neste caso a indenização será paga aos beneficiários da vítima), invalidez permanente ou despesas médico-hospitalares.

O PAGAMENTO DE MULTAS, INSPEÇÕES E OUTROS ENCARGOS devem ser pagos para a RENOVAÇÃO DO LICENCIAMENTO,  sendo opcionais seguros contra roubo, incêndios, outros acidentes e outros tipos de seguros.

A INCOSTITUCIONALIDADE DA APREENSÃO DE VEÍCULOS POR ATRASO NO PAGAMENTO DE IPVA já é questão enfrentada pelo SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), firmando entendimento pelo impedimento da apreensão de veículos ou de qualquer outro bem com o fim de receber tributos, portanto, impostos e, no caso de veículos, para forçar o proprietário a pagar IPVA e outros impostos, contrariando, portanto, o artigo 230 do Código de Trânsito Brasileiro (CTB), porque é norma contaminada pelo vício da inconstitucionalidade, devendo ser impugnada por qualquer juiz de direito, no controle difuso da constitucionalidade da norma.

Há de se perguntar: Por que a norma do artigo 230 do CTB é inconstitucional?

E a resposta é simples: Porque a norma do artigo 230 do CTB é infraconstitucional, isto é, está na hierarquia das leis, abaixo da Constituição e fere vários princípios, a saber:

PRINCÍPIO DA LEGALIDADE – A Constituição Federal diz no seu art. 5º, inciso II, que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude da lei. Nesse sentido o excelso professor Rafael Rocha ensina com maestria que há no Direito Administrativo o PREINCÍPIO DA LEGALIDADE, QUE DIZ QUE A Administração Pública (Federal, Estadual, Distrital e Municipal) só pode fazer o que está na Lei e o administrado (pessoas físicas ou jurídicas) podem fazer tudo que a Lei não lhe proíbe. Percebe-se, portanto, que o Estado ao apreender um veículo por estar com IPVA atrasado, age em total desacordo com a legalidade e outro renomado mestre, Hely Lopes de Meireles completa afirmando que a sujeição do Administrador Público ao mandamento das Leis é obrigatório, sob pena de praticar ato inválido e expor-se à responsabilidade disciplinar, civil e criminal, conforme o caso.

PRINCÍPIO DO NÃO CONFISCO – Diz o artigo 150, inciso IV, da Constituição Federal: “sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: (...). Inciso IV – Utilizar tributo com efeito de confisco”. Significa dizer que CONFISCO é o ato de apreender a propriedade em prol do Fisco, sem que seja oferecida ao prejudicado qualquer compensação em troca, o que configura a apreensão de veículos com o objetivo de cobrar IPVA, caráter de penalização, sem que sejam respeitados os princípios constitucionais do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa.

DIREITO DE PROPRIEDADE – É direito fundamental do cidadão e é descrito na Constituição Federal, artigo 5º, inciso XXII, da seguinte forma:

“Art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) Inciso XXII – é garantido o direito de propriedade.” E o Código Civil Brasileiro, por sua vez, regulamenta o direito de uso da propriedade, em seu artigo 1.228: “O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha”. Acrescente-se a isso o que dispõe o Código penal, no seu artigo 161, quando trata de esbulho possessório, considerando outras lesões delitivas contra o patrimônio como conduta criminosa.

PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA – É outro princípio constitucional e que está disposto de forma inaugural no texto da Constituição Federal, logo no seu artigo 1º, inciso III: “A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: (...) Inciso III – a dignidade da pessoa humana”. E a Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada em 1948, pela Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), no início do seu texto, isto é, ainda no preâmbulo, assinala o princípio da humanidade e da dignidade, dizendo: “Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis constitui o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo (...) Considerando que as Nações Unidas reafirmaram, na Carta, sua fé nos direitos fundamentais do homem, na dignidade e valor da pessoa humana (...)”.

Ingo Wolfgang Sarlet define em livro de sua autoria a dignidade da pessoa humana (Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais – 10ª Ed. 2015, Livraria do Advogado),  dizendo que é “a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano (...)”. Para melhor compreensão do leitos, vamos ao um caso concreto: Imagine-se a cena de uma abordagem policial a um veículo cujo condutor esteja transportando sua família, e constata que o condutor está inadimplente com o IPVA. O carro é apreendido e logo guinchado, formando-se uma aglomeração durante a operação, sob os olhares censuradores do público. Avaliem o constrangimento por que passa o condutor e sua família, ferindo a sua dignidade de cidadão, atingindo também a sua família. Fato concreto semelhante aconteceu nas proximidades da sede da Rádio Caraíba, aqui em Senhor do Bonfim, Bahia, em certa ocasião, relatada pelo radialista Ivan Silva, numa das edições dominicais do seu popularíssimo programa GIRANDO COM A NOTÍCIA. Ocorreu, de fato, o confisco do veículo pela apreensão realizada, ferindo o cidadão na sua imagem, honra, dignidade, intimidade e toda sorte do direito de personalidade do cidadão e de sua família. Existe constrangimento maior que isso?

VIOLAÇÃO AO SAGRADO DIREITO AO TRABALHO – o TRABALHO É UM DOS DIREITOS DO CIDADÃO BRASILEIRO, ASSEGURADO PELO ARTIGO 6º DA Constituição Federal e quando um veículo é apreendido e que serve como instrumento de trabalho do seu proprietário e/ou condutor, o estado termina decretando a pena de sofrimento da família do trabalhador, contribuindo para engrossar os quase 14 milhões de desempregados neste país da impunidade e da ingovernabilidade, como lembra Jeferson Botelho Pereira, Delegado de Polícia Civil em Minas Gerais em excelente artigo  publicado na Revista Jus Navigandi em 20 de junho de 2017, disponível em HTTPS://jus.com.br/artigos/58525.

PRINCÍPIO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL - É também na Constituição Federal que encontramos o dispositivo lapidar que diz: “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal” (CF, art. 5º, inciso LIV). E esse princípio constitucional conta ainda com a adesão da Declaração Universal dos Direitos humanos e do Pacto de São José da Costa Rica, a seguir reproduzidos:

Declaração Universal dos Direitos Humanos – Artigo 8º: “Todo homem tem direito a receber dos tribunais nacionais competentes remédio efetivo para os atos que violem os direitos fundamentais que lhe sejam reconhecidos pela Constituição ou pela lei”.

Pacto de São José da Costa Rica – Coincidentemente, também no seu artigo 8º: “Toda pessoa terá direito de ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou Tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou na determinação de seus direitos e obrigações de caráter civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza. (...)”.

A apreensão pura e simples de um veículo que está com IPVA atrasado, portanto, fere o PRINCÍPIO  DO DEVIDO PROCESSO LEGAL.

DAS SÚMULAS DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL – É sabido que o SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF) já enfrentou a questão da apreensão de veículos automotores por atraso no pagamento do IPVA, julgando inconstitucional o Estado apreender bens com o objetivo de receber tributos (impostos).

A SUMULA 70  diz: É inadmiissível a interdição de estabelecimento como meio coercitivo para cobrança de tributo”.

A SÚMULA 323 estabelece: “É inadmissível a apreensão de mercadorias como meio coercitivo para pagamento de tributos”.

A SÚMULA 547 afirma: “Não é licito à autoridade proibir que o contribuinte em débito adquira estampilhas despache mercadorias nas alfândegas e exerça suas atividades profissionais”.

Vê-se que as súmulas acima referidas são radicalmente contra a realização de “blitzes” com o objetivo de apreender veículos com atrasos em pagamentos de IPVA, por ser claramente INCONSTITUCIONAL.

A INDENIZAÇÃO POR APREENSÃO DE VEÍCULOS EM DÍVIDA COM O IPVA – Os carros apreendidos e guinchados são os que estão sem LICENCIAMENTO, porque “resguarda a a segurança da coletividade ao impedir que veículo não autorizado rode pelas vias públicas”, como observa o advogado tributarista Gustavo Perez Tavares, do Escritório Peixoto & Cury, cabendo INDENIZAÇÃO somente “em casos nos quais a dívida do IPVA for o único motivo para o carro ter sido apreendido”, configurando-se, assim, o abuso de autoridade.

COMO DEVE PROCEDER O ESTADO - Se o IPVA não foi pago, cabe ao Estado cobrar administrativamente, notificando o proprietário do veículo para cumprir a sua obrigação. Se o pagamento não é realizado, o Estado deve inscrever o débito em DÍVIDA ATIVA e novamente notificar o devedor para regularizar a sua pendência. Se ainda assim o Estado não obtiver êxito, recorre à Justiça com uma Ação de Cobrança. Jamais deve apreender veículos para forçar o seu proprietário a pagar o imposto devido.

Devem, consequentemente, os proprietários que tenham seus veículos apreendidos ilegalmente, recorrer à Justiça para terem os seus direitos fundamentais respeitados.

Este texto teve como base de pesquisa a Lei 9.503/1997 (Código de Trânsito Brasileiro – CTB), o artigo “APREENSÃO DE VEÍCULO POR ATRASO DE PAGAMENTO DE IPVA É ILEGAL E ABUSIVO”, de autoria de Jeferson Botelho Pereira, publicado na Revista Eletrônica Jus Navigandi e artigo “DECISÃO QUE PROÍBE APREENSÃO DE VEÍCULO POR ATRASO NO IPVA”, de autoria do advogado criminalista Rafael Rocha, publicado na Revista Jus Brasil e artigo ‘APREENSÃO DO CARRO POR ATRASO DO IPVA GERA INDENIZAÇÃO”, publicado na Revista Consultor Jurídico, comentado pelo jornalista Fernando Martines e em obra do jurista Ingo Wolfgang Sarlet define em livro de sua autoria a dignidade da pessoa humana (Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais – 10ª Ed. 2015, Livraria do Advogado).

*Josemar Santana é jornalista e advogado, especializado em Direito Público e Direito Criminal, integrante do Escritório SANTANA ADVOCACIA, com unidades em Salvador, Senhor do Bonfim e Itiúba, Bahia e em Brasília (D.F.). Site: www.santanaadv.com – E-mail: [email protected].

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