O Rock'n roll vem atingir os adolescentes como uma válvula de escape para as expansões psíquicas.Na dança alucinada está também o instinto, o primitivismo, os desejos guardados de uma geração. O rock tem esse poder de entrar no corpo dos jovens e provocar reações de drogas. É um ópio musical que ataca os nervos, o coração, a consciência e, pelo ímpeto, expulsa a alma do corpo. É um transe, é uma libertação".
A descrição do frenesi que o ritmo causou no Recife, em 1956, foi publicada no extinto jornal Diário da Noite. Ela reforça o fato de que no período pós Segunda Guerra Mundial existiu, sim, uma cena rocker na cidade, por mais que muitos ignorem ou neguem isso. E reflete a importância de se dar voz às várias facetas que o Recife tem.
O registro desse e de outros momentos está no livro "A chegada do rock no Recife dos anos 1950", que foi escrito por Ebis Dias Santos Filho e Fabiana de Oliveira Lima foi lançado no sábado (04), na loja Passadisco, no bairro do Espinheiro, em Recife.
Fruto de um trabalho de mais de dois anos, a obra também fez com que a dupla se tornasse um casal. O tema está sendo aprofundado num mestrado por Ebis, que é baixista na banda The Playboys e formado em música. Já Fabiana é mestre em Antropologia e estudou a música como um elemento através do qual é possível falar do Recife. "Queria um tema com o qual tivesse afinidade e que ainda não tivesse sido pesquisado. E tive trabalho para conseguir provar que o rock existiu aqui, já nessa época", confessa Ebis.
Se a primeira banda de rock pernambucana é provavelmente a Silver Jets, de 1963 (que incluía entre seus integrantes o Rei Reginaldo Rossi), o ritmo gerava curiosidade antes mesmo de chegar ao Recife, que acompanhava o noticiário da "febre" que o rock causava mundo afora, na década anterior. Aqui, ele chegou através do cinema, quando o Cine Coliseu exibiu "Sementes da Violência", que abordava o problema da delinquência juvenil nos Estados Unidos depois da Segunda Guerra Mundial e trazia uma trilha sonora que incluía o rock. "Mas nesse momento, não tinha festa, dança nem apresentação no palco", destaca Ebis.
O rock "desembarcaria" oficialmente na capital pernambucana apenas no ano seguinte, no dia 20 de fevereiro de 1957, em pleno Carnaval e também através do lançamento de um filme ("Ao balanço das horas", que entre seus números musicais trazia "Rock around the clock", estrelada por Bill Haley e seus Cometas).
"Ao balanço das horas" já tinha causado rebuliço em São Paulo, onde estreou em dezembro de 1956. Os recifenses acompanharam, à distância, os relatos de histeria, bagunça e quebra-quebra promovidos pelo público e, para averiguar os reais perigos de se apresentar a película no Cine São Luiz, foi feita uma apresentação prévia exclusiva para a imprensa e os órgãos de segurança. Diante do fato de que, por conta do Carnaval, o filme não causou nenhum frisson imediato, a imprensa pernambucana passou a noticiar uma suposta rixa entre os dois ritmos, dando ganho ao frevo na contenda. "Em terra de frevo, rock n'roll não se mostra", decretou Capiba à imprensa.
Os críticos tendiam a enxergar o rock como uma mania passageira dos adolescentes. Com a propalada mania de grandeza dos pernambucanos, manchetes davam conta de que o frevo seria "o ritmo mais alucinante do mundo" e que havia "desbancado o rock n'roll". "Contra o frevo, ninguém pode", reforçava outra matéria. Apesar disso, quando a moda do rock se firmou, nomes como o grande compositor de frevo Nelson Ferreira estavam entre os músicos que se apresentavam nos clubes da cidade, executando o ritmo.
Depois do fiasco de um "Sorvete Dançante" promovido no Clube Náutico (festa onde anunciaram que haveria a execução de rock, sem que isso acontecesse), em 14 de março de 1957 aconteceu a primeira "quinta feira de rock". Os eventos eram realizados no Aeroclube, no Pina. Este foi o primeiro registro encontrado pelos pesquisadores de shows de rock de fato, com competições de dança e apresentação de Geraldo Lemos, primeiro músico local a executar o ritmo. "A dança era tão ou mais explorada quanto a música", destaca Fabiana, que localizou anúncios de "aulas de rock", promovidas como se fossem dança de salão.
A partir de então, e até 1958, os registros de eventos relacionados ao rock foram bastante frequentes na imprensa recifense, criando uma atmosfera que incorporava elementos do modelo cultural norte-americano como valores e estilo de vida. O tema foi além das páginas de diversão e cultura, ocupando também os editoriais e páginas policiais, já que alguns jovens aderiram à ideia da "juventude transviada" e passaram a promover pegas automobilísticos, brigas e outras atitudes tidas como rebeldes.
"A imprensa teve uma importância muito grande na inserção da ideia do rock dentro de nossa cultura", afirma Fabiana. Ebis destaca que isso era uma tendência mundial entre os jovens nascidos no período. "O filme 'O Selvagem', com Marlon Brando, influenciou os jovens da década de 1950. Daí vieram ícones como a jaqueta de couro e a atitude blasé, que inspiraram James Dean e Elvis Presley. John Lennon era adolescente na época e assistiu à briga entre as gangues do filme. Uma delas se chamava Beetles, besouros. Certamente os Beatles também beberam nessa fonte de inspiração", diz ele.
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