O golpe de 2016 trouxe de volta o tal do "complexo de vira-lata" que dominou a alma brasileira durante quase todo o século vinte. Salvo nos anos em que nos afirmamos perante o mundo através do futebol. Assim como na música, produzimos grandes gênios da bola que fizeram o Brasil ganhar o reconhecimento e respeito da comunidade internacional. Fora disso, não passávamos de uma republiqueta colonial dos trópicos de enormes abismos sociais e conhecida somente pelo futebol, pelo samba e pela cordialidade de seu povo (apenas com os visitantes, ressalte-se!).
Mas a partir de 2003, com a chegada de um projeto popular ao poder central do país, passamos a ser reconhecidos também como uma Nação altiva e independente. Bastou um governo com sensibilidade e responsabilidade social pra colocar nas pautas das políticas públicas as classes secularmente oprimidas e investir em Educação e demos um salto econômico extraordinário. Adquirimos não só o respeito, como também a admiração de todas as nações. Viramos a “bola da vez” e o nosso presidente, “O Cara”, com direito a exaltação do homem mais poderoso do planeta, Barack Obama, então presidente dos Estados Unidos. Além de busto na Casa Branca, Lula ainda foi homenageado com honrarias nas principais universidades do chamado “Primeiro Mundo”.
Infelizmente, esse ciclo de desenvolvimento nas mais diversas áreas – com democracia fortalecida e solidez das instituições – foi interrompido após uma turbulência econômica que serviu de desculpa pra que a classe média (ela nunca aprende!) resolvesse dar as mãos (e panelas) à elite raivosa que mesmo também contemplada no período de prosperidade, simplesmente não aceitava mais não dar as cartas do poder sozinha. Além de sentir-se bastante incomodada em dividir espaços acadêmicos e de lazer com os oriundos da senzala. O resto nós já sentimos (na pele e no bolso) no que resultou.
Temos hoje um país dividido e em colapso institucional. Claro que dessa desolação ressurgiria o complexo de vira-lata difundido em meados do século vinte pelo grande cronista e dramaturgo Nelson Rodrigues. Agora o brasileiro acha que a Petrobras não pode mais ter autonomia sobre o Pré-Sal. Adivinha a quem querem entregar essa preciosa fonte de petróleo e riquezas?! Aos Estados Unidos, óbvio. É só o filme de terror sendo repetido, como em 1964. É o preço (imensurável) a ser pago à mão amiga pela colaboração no terceiro golpe.
Não bastasse isso, até o futebol foi atingido. Hoje a torcida brasileira está mais propensa às seleções estrangeiras. Nossos craques são duramente fuzilados nas redes sociais e imprensa, enquanto os astros internacionais são reconhecidos e respeitados. Tudo como desculpa de que aqui nada presta, nada funciona. É preciso, no entanto, saber a dose exata de cada coisa. Nem o pachequismo ufanista xenofóbico, tão pouco o viralatismo bunda-mole dos anti-Brasil.
Não é uma questão de nacionalismo e sim de identidade e de pertencimento ao lugar onde se vive. E pra quem tenta desmerecer o futebol afirmando que temos “coisas mais importantes pra se preocupar”, gostaria de dar uma informação importante: o brasileiro não está no topo da lista dos povos que mais consomem futebol no mundo. Bem à nossa frente estão ingleses, alemães, franceses, espanhóis e italianos. Nosso problema não é o futebol em si, mas a falta de uma educação de qualidade e uma justa distribuição de renda.
Futebol é apenas diversão, entretenimento. Não é pra resolver os problemas sociais de um país. Quem não gosta tem todo o direito de não estar nem aí pra Copa do Mundo e nem pra Seleção Brasileira. Só não tem é o direito de se achar (sic) mais evoluído e nem de encher o saco de quem só quer apenas colocar um pouco de sonho em meio a tanto pesadelo cotidiano. Repito: as artes, os esportes, a cerveja e o vinho são grandes invenções da humanidade e imprescindíveis pra que a nossa espécie não pereça por tédio ou por overdose de realidade.
Luiz Hélio Alves (poeta, escritor e jornalista).
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