Amphisbaena kiriri, essa foi a nova espécie de anfisbena, ou cobra-de-duas-cabeças, descoberta na Caatinga. O nome científico é uma homenagem a uma etnia indígena, os índios Kiriri (também conhecidos como Cariri ou ainda Kariri), designação para a principal família de línguas indígenas do sertão do Nordeste brasileiro, onde antigamente estes povos viviam em grandes comunidades nas Caatingas do interior do estado baiano, e atualmente contam com poucos indivíduos. A descoberta foi realizada por um grupo de herpetólogos, profissionais especialistas que estudam anfíbios e répteis.
Segundo o Doutor Leonardo Ribeiro, professor na Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf) e coordenador do estudo: “As anfisbenas são répteis que juntamente com os lagartos e as serpentes formam um grupo denominado Squamata, e compartilham um ancestral em comum. Apesar de parentes próximos, as anfisbenas não são serpentes. Elas vivem enterradas no solo, por isso têm os olhos bem pequenos, quase vestigiais e não enxergam muito bem”. Fazem parte da equipe Henrique Costa, doutorando em Zoologia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e Samuel Gomides, da Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA).
“Pelo fato da cabeça ser bem parecida com a ponta da cauda, muitas pessoas ficam confusas e acham que esse animal possui duas cabeças, o que não é verdade”, afirmou Ribeiro. É importante ressaltar que as anfisbenas não são venenosas, e não oferecem nenhum tipo de perigo. A Amphisbaena kiriri foi descoberta enquanto Ribeiro estudava espécimes, que fazem parte da Coleção Herpetológica da Univasf, advindos de um estudo de monitoramento ambiental para a instalação de usinas eólicas no interior da Bahia, na região do município de Campo Formoso. O pesquisador notou que esses animais não possuíam características de alguma espécie já descrita, portanto, se tratava de uma nova espécie para o mundo científico.
“Kiriri” significa silencioso ou taciturno na língua Tupi original dos nativos do litoral brasileiro, que também remete aos hábitos desse animal, pois ele vive escondido sob os solos, e não emite nenhuma vocalização, o que dificulta sua observação no seu hábitat natural. Essa descoberta lembra a importância dos estudos de impacto e de monitoramento ambiental em empreendimentos que possam modificar a natureza. Em um momento onde se discute um relaxamento das leis ambientais no país (caso da PL 3729/04), este achado indica a necessidade de mais investimentos para inventariar a biodiversidade da Caatinga e a necessidade de entender como essas obras podem afetar as espécies.
A espécie recém-descoberta, por exemplo, só é conhecida no município de Campo Formoso, em áreas que foram impactadas pelas obras da construção da usina eólica. A descrição da Amphisbaena kiriri eleva para 23 a riqueza de espécies de anfisbenas do bioma Caatinga. Serão necessários estudos futuros para avaliar se a espécie é abundante ou rara na região. Em abril de 2018, a área onde a nova espécie foi descoberta se tornou oficialmente parte da Área de Proteção Ambiental Boqueirão da Onça, um tipo de unidade de conservação que permite ocupação humana e outras atividades. “Mais importante ainda é o fato do local ficar a menos de um quilômetro do também recém-criado Parque Nacional do Boqueirão da Onça. Apenas com novos trabalhos na região será possível afirmar se o réptil também habita o parque”, concluiu Ribeiro.
A publicação saiu no último dia 10 de maio de 2018, na revista Journal of Herpetology, uma publicação da maior sociedade herpetológica internacional, com sede nos Estados Unidos: Society for the Study of Amphibians and Reptiles - SSAR [Sociedade para o Estudo de Anfíbios e Répteis]. O trabalho pode ser acessado nos seguintes links:
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