Por Gustavo Pires Ribeiro
Desde que foi deflagrada a primeira fase da denominada Operação Lava Jato, em março de 2014, temos presenciado relevantes mudanças no cenário empresarial nacional, sobretudo envolvendo os conglomerados econômicos que foram objeto de investigação por parte da Polícia Federal e do Ministério Público e que sofreram punições das autoridades competentes.
Tais empresas, muitas delas no âmbito de acordos de leniência, sofreram punições bilionárias e até o momento estão impedidas de ou sofrendo severas restrições para participar de certames licitatórios e/ou ter acesso ao financiamento de suas atividades por parte de agentes privados e públicos, sendo o principal deles o BNDES. A situação é agravada em diversos casos de empresas que operavam alavancadas e agora tiveram a sua capacidade de geração de caixa seriamente prejudicada, e consequentemente, a capacidade de honrarem os seus compromissos.
Este cenário causa importantes impactos nas operações de fusões e aquisições no país. O primeiro e mais óbvio deles é a necessidade de parte dos citados conglomerados se desfazer de determinados ativos, tanto para levantar recursos que lhes possibilitem arcar com as pesadas multas pecuniárias que lhes foram impostas, como para reorganizar suas atividades considerando que não serão mais captados os benefícios decorrentes de práticas ilícitas que eram adotadas com frequência nas relações com os agentes públicos ou usando recursos oriundos destes.
As operações de venda de ativos realizadas recentemente por empresas de variados setores, tais como Petrobrás, Banco BTG Pactual, Grupo JBS e Camargo Corrêa, dentre outras, ilustram bem essa situação e demonstram que a venda forçada de empresas em razão dos motivos acima citados pode causar depreciação no valor desses ativos, o que eventualmente pode ser uma oportunidade atraente para potenciais compradores, desde que vislumbre-se com clareza a possibilidade continuidade das atividades das empresas em venda sem a adoção das práticas ilícitas que foram objeto de punição. Desde 2015 até o final de 2017 já haviam sido concretizadas cerca de 50 transações de venda de empresas envolvendo ativos dos grupos investigados na Operação Lava Jato, que somaram mais de R$ 103 bilhões, com base em dados da Associação Brasileira das Entidades do Mercados Financeiros e de Capitais (Anbima), e estima-se que tais empresas buscam levantar outros R$ 75 bilhões.
Porém, temos outros impactos decorrentes da Operação Lava Jato que não se restringem às empresas que foram ou ainda são objeto de investigação, mas que atingem as operações de fusões e aquisições de modo geral. Um deles é a necessidade de atenção redobrada na auditoria legal ou due diligence na aquisição de empresas, em especial aquelas que costumam contratar com o setor público ou se utilizam de financiamento de agentes públicos. A investigação criteriosa da conduta dos sócios e representantes legais das empresas é tão importante quanto a análise das condições de contratação com agentes públicos e/ou de obtenção de benefícios fiscais ou regulatórios. Em determinados casos, a prática de ilicitudes restringe-se a determinadas pessoas e não condiz com a política da empresa representada, o que exige cautela e reforça a necessidade de se investigar de forma individual a conduta de sócios e administradores.
Outro ponto relevante é a instituição de programas de compliance. Seria exagero concluir que a Operação Lava Jato é o marco do fim da era da impunidade no Brasil, mas não resta dúvida de que ela tem estimulado, assim como a Lei Anticorrupção, a adoção de medidas que inibam condutas ilícitas por parte dos sócios, administradores e demais colaboradores das empresas. Segundo levantamento realizado pela KPMG em 2016, 64% dos executivos seniores das empresas entrevistadas apontou que a cultura de compliance e governança eram essenciais para o sucesso das estratégias das empresas, contra 58% em 2015.
No mesmo levantamento, 74% dos entrevistados apontou que a eficácia do programa de compliance é o indicador mais relevante quando se trata do monitoramento de cumprimento das regras de governança, reforçando a tendência de que cada vez mais as empresas que possuem programas de compliance efetivos, que possibilitam a denúncia e punição de condutas irregulares, sejam melhor avaliadas do que aquelas desprovidas do mesmo nível de governança, o que resultará na valorização de seus ativos perante potenciais investidores ou compradores.
Ao analisarmos como os desdobramentos da Operação Lava Jato têm impactado as operações de fusões de aquisições, concluímos, portanto, que o desenvolvimento da atividade empresarial em conformidade com as boas práticas de governança e as exigências da lei, amparado e estimulado por um programa de compliance efetivo, é medida essencial para mitigar o risco de punições por parte das autoridades competentes, que podem resultar até mesmo na venda indesejada de ativos, assim como importante critério a ser minuciosamente analisado na avaliação de uma empresa durante a auditoria legal.
Gustavo Pires Ribeiro é advogado e coordenador da Área Societária do Marins Bertoldi Advogados.
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