Cinco horas da manhã. Inverno.
Um jato de água
acorda o irmão na rua,
enquanto um gari,
trajando uniforme amarelo,
recolhe o que sobrou
da comida anteriormente
disputada por homens e cães.
Não muito longe dali,
no farol da Rua Direita,
um menino sem camisa
faz um número de malabares
(malabares de bolas coloridas),
na esperança de que algum passante
lhe ofereça qualquer trocado.
No rádio, o moço informa
que uma bala perdida
atingira o Luís, meu amigo,
que agora agoniza
no corredor do posto médico,
à espera do doutor que nunca chega.
(Pobre Luís, logo ele
que estava tão feliz
com o bico que arranjara
depois de 11 meses desempregado!
A mulher está grávida no sexto mês
e o único benefício social que recebiam
foi cortado faz 15 dias).
A bala que atingiu o Luís, meu amigo,
partiu de um tiroteio
entre policiais militares
e um grupo de traficantes
da favela do Pó.
(Surgida há cerca de seis meses,
em terreno que se supõe
pertencer à Prefeitura,
Pó não possui água,
luz, nem calçamento.
Seus moradores vivem
em pequenos barracos,
cobertos de lona preta,
e a única escola de que dispõem
fica a quatro quilômetros de distância.
Se não bastasse,
os professores lá vão uma vez ou outra,
e a merenda, que já não era lá essas coisas,
há muito que o prefeito deixou de mandar).
O menino sem camisa
do farol da Rua Direita
continua a agitar bolas coloridas,
na esperança de que,
do meio do trânsito infernal,
uma mão invisível
lhe estenda uma moeda de 25.
Enquanto isso,
lá em Brasília,
um decreto governamental
determina que é preciso
deixar o bolo crescer
para só depois repartir.
José Gonçalves do Nascimento
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