O Jornal O Globo, destaca em reportagem especial, que em Sobradinho, Bahia, a barragem cumpriu a profecia de Antônio Conselheiro de que o sertão viraria mar. Agora, é o mar que vira sertão. Sob a luz forte do sol quente do semiárido, Sobradinho, o maior reservatório construído ao longo do Rio São Francisco, exibe toda a sua grandiosidade. De um lado da parede da barragem, o Velho Chico com suas curvas naturais. Do outro, a água retida pela obra do homem se espalha para além do que a vista pode alcançar.
A reportagem assinada por Ana Lúcia Azevedo diz que em meio a essa terra com as marcas do surrealismo, corre o Velho Chico, o maior rio totalmente brasileiro e o único perene a atravessar o semiárido. Não se vê mais o Rio da Integração Nacional, das glórias dos livros de História, imortalizado em verso e prosa.
Segundo a reportagem o Velho Chico da vida real sufoca com esgoto. No Médio São Francisco, onde fica Pilão Arcado, por exemplo só 22,9% da população têm coleta de esgoto e este vai para o rio. 'Chico, o rio brasileiro com o maior número de barramentos e barragens (Três Marias, Sobradinho, Itaparica, Paulo Afonso e Xingó), está largo e raso pelo assoreamento. Foi despojado de nascentes, afluentes e teve as matas que protegiam as margens de seus 2.863 quilômetros de extensão reduzidas a 2%. Nos últimos 30 anos, o volume de água na bacia do São Francisco caiu 50%", revela Ana.
O Globo acusa que rio agoniza, usado à exaustão, castigado pelo clima, um microcosmo da crise hídrica nacional. No Velho Chico, a fartura de peixes é tão parte do passado quanto às riquezas em gado e exploração de carnaúbas que alimentaram, até meados de século XX. Os peixes perderam diversidade, quantidade e tamanho, mostram estudos da Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf). Surubins e dourados nativos do São Francisco nadam ali em abundância só nas águas da história. Quando muito, se pescam curimatãs, piaus e piabas. Vez por outra, uma maria-do-oião.
"O Velho Chico sobrevive apenas nas nascentes e cabeceiras. Em sua maior parte, ele se tornou um mero canal por onde passa água. Perdeu quase todas as cachoeiras e corredeiras. São elas que oxigenam a água. Perdeu quase a totalidade das matas ciliares, que protegem as margens, os riachos e regulam o fluxo de sedimentos. Um rio é um propulsor de vida. Ele carrega mais do que água. Traz animais, plantas, nutrientes. O São Francisco está em extinção", afirma um dos maiores especialistas no estudo do rio e da caatinga, José Alves de Siqueira Filho, diretor e fundador do Centro de Referência para Áreas Degradadas da Caatinga, no campus da Univasf, em Petrolina (PE).
O Jornal revela que com 320 quilômetros de extensão e 4.214 quilômetros quadrados de área inundada, Sobradinho foi inaugurado em 1974, um ícone dos projetos monumentais da ditadura. Já foi o maior lago artificial do mundo, hoje ainda o é da América Latina. Foi criado no interior no coração do semiárido com as águas represadas do São Francisco para gerar energia para o Nordeste. Como na música homônima de Sá & Guarabyra, o lago de Sobradinho fez o sertão virar mar. Mas já faz tempo que suas bordas começaram a virar de novo sertão. E a seca histórica do últimos sete anos, a mais severa e longa registrada no semiárido nordestino, exauriu ainda mais o reservatório.
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