Anvisa confirma surto do superfungo Candida auris no Hospital da Restauração

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) divulgou, nesta quarta-feira (12), a confirmação de um surto do superfungo Candida auris no Hospital da Restauração (HR), no bairro do Derby, área central do Recife. Resistente a medicamentos, o germe pode ser fatal.

O Centro de Prevenção e Controle de Doenças (CDC), equivalente à Anvisa dos Estados Unidos, incluiu a Candida auris na lista de germes classificados como ameaças urgentes uma vez que, segundo o órgão, houve um número crescente de infecções pelo fungo em vários países desde que ele foi reconhecido.

Nota técnica enviada pela Anvisa indica que a C. auris é um fungo emergente que representa uma séria ameaça à saúde pública [veja mais detalhes abaixo].

De acordo com a reguladora nacional de saúde, as amostras de urina de dois pacientes, um idoso de 67 anos e uma idosa de 70 anos, ambos internados no HR, foram analisadas nos Laboratórios Centrais de Pernambuco e da Bahia. A notificação dos possíveis casos do fungo foi feita à Anvisa em 3 de janeiro.

Em uma das amostras, a Anvisa recebeu a confirmação da identificação da Candida auris - a agência não especificou se foi a do homem ou da mulher. A segunda amostra está em processo de finalização de análise, e a Anvisa aguarda o resultado. "As informações sobre pacientes pertencem ao prontuário médico, sendo reservadas ao próprio paciente e à equipe médica que o assiste", disse a Anvisa ao ser questionada pela reportagem sobre mais detalhes dos pacientes.  

Segundo a Anvisa, há uma força-tarefa montada para estes casos e a investigação epidemiológica é coordenada pela rede Cievs, que reúne os centros de informações estratégicas em saúde, ligados ao Ministério da Saúde e à Secretaria Estadual de Saúde de Pernambuco. 

Estado contabiliza um caso confirmado, além de uma morte
De acordo com a Secretaria Estadual de Saúde de Pernambuco (SES-PE), há um caso confirmado de Candida auris e dois suspeitos - entre esses, uma morte. 

O caso confirmado é de um homem de 38 anos. Um exame de urina coletado do paciente levantou a suspeita da presença do micro-organismo e, por isso, a amostra foi encaminhada para o laboratório baiano. Esse homem deu entrada no HR em 21 de novembro, na emergência da traumatologia, e recebeu alta em 30 de dezembro. O resultado positivo para C. auris foi notificado na segunda-feira (10), de acordo com a pasta estadual. 

"Frisa-se que o atendimento no HR foi por outra causa e que o homem estava colonizado pelo fungo. Ou seja, foi feita a identificação da suspeita do micro-organismo por meio de um exame de rotina no hospital, contudo não havia infecção provocada por ele", informou a SES-PE. 

Outros dois casos estão em investigação. O primeiro é de uma mulher de 70 anos que foi assistida no HR por outras causas - não informadas pela secretaria. "A hipótese levantada é que ela também estaria colonizada pelo fungo, caso haja a confirmação laboratorial", diz a secretaria.

A idosa foi admitida em 24 de novembro, estava em UTI e teve o exame sugestivo para o fungo em 30 de dezembro. A mulher morreu na última quarta-feira (5). O Estado aguarda o resultado da análise laboratorial do Lacen-BA para confirmar ou descartar a suspeita. 

O terceiro caso suspeito, de acordo com a SES-PE, é de um homem de 46 anos, também admitido pela emergência de trauma do HR, em 13 de dezembro, por outra causa. "Está em UTI e sem nenhum sintoma relacionado à infecção pelo fungo", explicou a secretaria. O exame laboratorial sugestivo da unidade hospitalar saiu na terça (11) e será encaminhada para análise na Bahia.

A reportagem tentou contato com a Anvisa para esclarecer sobre a diferença no número de casos suspeitos e suas idades e não obteve resposta até a publicação deste texto feita após a atualização com a resposta da pasta estadual. A SES-PE informou que coletou os dados com a Agência Pernambucana de Vigilância Sanitária (Apevisa) e sistema do Ministério da Saúde.

QUADRO CLÍNICO: O assessor técnico de Vigilância em Saúde da SES-PE, George Dimech, explica que existem outros fungos Candida, que convivem conosco. A C. auris, explica ele, é um organismo emergente e que há alguns anos vem se propagando em hospitais do mundo todo.

"A característica [da C. auris] é a resistência ao antifúngico. A clínica dela ocorre mais em pacientes imunodeprimidos. Alguns têm febre e outros podem ter até quadros mais graves", explica.

Outro problema característico da C. auris é de se propagar no ambiente hospitalar. "É um agente característico de pacientes com um certo tempo de permanência na unidade hospitalar", acrescenta Dimech.

TRANSMISSÃO: A Candida auris é um fungo que pode causar infecções invasivas, além de ser multirresistente a fármacos comumente utilizados para tratar infecções por Candida.

A Anvisa explicou, em alerta emitido em 2017, que ainda não se sabe ao certo como o fungo se transmite dentro de uma unidade de saúde. A princípio, estudos apontam que a transmissão pode ocorrer por contato com superfícies ou equipamentos contaminados e de pessoa para pessoa.

O primeiro caso de C. auris no Brasil foi identificado em dezembro de 2020, em cultura de ponta de cateter de um paciente internado em UTI em um hospital de Salvador, na Bahia. O segundo foi identificado em um outro paciente na capital baiana.

SURTO: "É importante esclarecer que, apesar de no momento haver só um caso confirmado e outro em análise no Brasil, pode-se considerar que há um surto de Candida auris porque a definição epidemiológica de surto abrange não apenas uma grande quantidade de casos de doenças contagiosas ou de ordem sanitária, mas também o surgimento de um microrganismo novo na epidemiologia de um país ou até de um serviço de saúde – mesmo se for apenas um caso", informou a Anvisa.

Ações após notificação: A Anvisa informou que, desde a identificação do caso suspeito, o HR estabeleceu "medidas de precaução e adotou ações para prevenção e controle do surto".

"A Coordenação Estadual de Prevenção e Controle de Infecção de Pernambuco foi notificada a respeito do caso suspeito, realizou visita técnica ao hospital e está prestando orientações, monitorando o surto e apoiando as ações de prevenção e controle de infecção", esclareceu a reguladora. 

Uma força-tarefa nacional composta por diversos órgãos, incluindo a Agência Pernambucana de Vigilância Sanitária (Apevisa) e a Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde, foi acionada e intensificou ações de vigilância, monitoramento, prevenção e controle. 

"A investigação epidemiológica já está sendo organizada e será conduzida pelos Centros de Informações Estratégicas em Vigilância em Saúde (Cievs) e pelo EpiSUS (Epidemiologia Aplicada aos serviços do Sistema Único de Saúde – SUS)", completou a agência. 

A Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde (CGLAB) está acompanhando e apoiando a investigação laboratorial do surto. 

"Por fim, a agência orienta que os laboratórios de microbiologia intensifiquem a vigilância laboratorial para a identificação do fungo Candida auris, conforme descrito em nota técnica", finalizou a Anvisa.

"Houve capacitação com a equipe multiprofissional do serviço e criado um plano de ação para reforçar as medidas de prevenção e controle, com higienização (limpeza e desinfecção) dos ambientes, higienização das mãos, monitoramento sistemático de contactantes, a partir de cultura de vigilância, e isolamento dos casos suspeitos", informou a SES-PE.

A nota técnica da Anvisa elenca os seguintes pontos que tornam o C. auris uma séria ameaça à saúde pública.

• produzem biofilmes tolerantes a antifúngicos apresentando resistência aos medicamentos comumente utilizados para tratar infecções por Candida. Estudos apontam que, até 90% dos isolados de Candida auris são resistentes ao fluconazol, anfotericina B ou equinocandinas. Esse tipo de padrão multirresistente não tem sido observado em nenhuma outra espécie do gênero Candida;
• pode causar infecção de corrente sanguínea e outras infecções invasivas, podendo ser fatal, principalmente em pacientes imunodeprimidos ou com comorbidades;
• pode permanecer viável por longos períodos no ambiente (semanas ou meses) e apresenta resistência a diversos desinfetantes, entre os quais, os que são à base de quaternário de amônio.
• propensão em causar surtos em decorrência da dificuldade de identificação oportuna pelos métodos laboratoriais rotineiros e de sua difícil eliminação do ambiente contaminado.

Folha Pernambuco