Artigo - Lugar de fala.

Qual é o meu lugar de fala nessa sociedade racista? Começo fazendo esse  questionamento, porque ele me veio ontem à noite, logo depois do Big Brother Brasil. Bom, é sabido por algumas pessoas, as mais antenadas digamos assim, que houve um fato racista no programa do “Boninho” na rede globo e que gerou uma enorme polêmica nas mídias sociais, em grupos de amigas/os e em vários espaços coletivos; umas/uns favoráveis, outras/outros contra e assim seguiu-se o dia seguinte ao jogo da discórdia.

Houve até algumas cobranças à rede globo pelo fato de não ter explorado o assunto como deveria e ter passado por cima de uma questão tão relevante na sociedade. Mas, surpreendentemente, eis que Tiago Leifert, apresentador do Reality, faz a tão esperada e cobrada pausa para tratar do assunto, e acaba virando o fenômeno da noite. Fala muito boa por sinal, bastante pertinente e necessária.

Mas ficou me martelando o fato de ele somente repetir as mesmas coisas que são ditas há anos pela população negra, pelos movimentos negros e por várias pessoas militantes da causa antirracista, e ele (Tiago) passar a ser o grande arauto da boa nova das questões que afligem o povo negro. Ora, nós, povo preto bradamos isso aos quatro ventos, nós carregamos esse discurso de referência à nossa ancestralidade e às nossas características étnico raciais permanentemente, por que só agora as pessoas voltam sua atenção para a fala do Tiago?

Eu respondo. Tiago tem um lugar de legitimidade na sociedade, o que o branco fala é ouvido pelo outro branco, eles possuem o poder de legitimar ou não a fala de um grupo, eles legitimam e deslegitimam ao mesmo tempo, basta querer. É impressionante o fato das/dos brancas/brancos se ouvirem e acharem tudo muito lindo e razoável quando proferido pelas suas bocas legitimadoras.

As mesmas palavras na boca de uma/um negra/negro é mimimi, é complexo, é agressivo, é chato de ouvir toda hora falar a mesma coisa, é porque esse povo gosta de polêmica, gosta de chamar atenção, não vejo nada de mais em uma simples brincadeira, esse povo tudo cria confusão, exageram... Por aí vai. Importante registrar que o mesmo ocorre com héteros em relação a gays, homens em relação às Mulheres e todos os grupos oprimidos na sociedade em contra ponto aos legitimados.

Essa legitimação da fala do Tiago e deslegitimação da fala e do choro do João É RACISMO! Vocês não se tornaram melhores por terem recebido bem a fala branda, de forma educada e sem agressão do Tiago, vocês continuam com a essência racista, porque quando uma pessoa negra vier com esse mesmo discurso, vocês vão achar que é mimimi “de novo”. Costuma-se dizer, como o próprio Tiago falou: “Quando uma pessoa negra falar sobre o que ela está sentindo e sobre o que é racismo, cale, ouça, não se explique...” Peço que façam esse exercício de humildade e se disponham a aprender, é o mínimo.

Tiago é um aliado da luta antirracista e como ele tem várias outras pessoas não negras que são, e não se furtam em discutir o assunto publicamente. Precisamos sim da população branca ao nosso lado nessa luta que é de toda sociedade. Mas precisamos mais ainda que vocês não deslegitimem a população negra quando ela se manifestar acerca de algo que lhe é peculiar. Essas palavras são apenas algumas reflexões que penso necessárias no momento.

Queila Patrícia, Cientista Social, graduada em Letras e presidenta da UNEGRO Juazeiro Bahia.