ALUNOS DO 4º PERÍODO DA UNEB RETRATAM A CULTURA DAS CARRANCAS DO VELHO CHICO

As carrancas são parte importante da história ribeirinha nordestina, carregada de crenças e contos místicos surgiu como símbolo de proteção e fé, fazendo-se reconhecida por todo o país e turistas de todo o mundo, como uma das maiores manifestações culturais brasileiras.

A reportagem traz a história das carrancas na região ribeirinha do Vale do São Francisco, a partir de entrevistas realizadas com alguns historiadores das cidades de Juazeiro e Petrolina. Entre os entrevistados estão à historiadora Rosy de Sousa Costa, o neto de Ana das Carrancas, Jailson Lopes e a filha da carranqueira, Maria de Ana.

As carrancas foi o tema escolhido para essa reportagem, por abranger mitos e fatos regionais importantes para a história, como às lendas dos rios. Os comandantes das embarcações criaram lendas para explicar e entender o mundo a sua volta e as carrancas surgiram como um amuleto para esses barqueiros e remeiros que buscavam se proteger dos espíritos e entidades que acreditavam surgir no rio, durante suas longas viagens.

O primeiro destaque entre os fabricantes de carrancas foi Francisco Guarany, que serviu de inspiração para Ana das Carrancas, uma das fabricantes de carrancas de barro mais reconhecidas no Brasil. Analfabeta, negra e pobre, Ana lidou com preconceitos, chacotas e a desvalorização de seu trabalho, até que dois jornalistas recifenses viram nela um futuro promissor para a cultura popular brasileira e a partir de uma reportagem, Ana ganhou reconhecimento e destaque no país, além de vários prêmios que deixaram seu nome marcado na história cultural popular brasileira.

A carranca e o remeiro do São Francisco: O remeiro lidava em seu cotidiano com o rio, aceitando o humor das águas doces, ora favoráveis, ora perigosas, apesar dos medos, dos desafios e da violência dos ventos. Seu patrão lhe pagava cerca de 60 mil réis para realização de uma viagem de 60 a 90 dias pelo rio, levando consigo 50 toneladas de mercadorias. Metade dos réis ficava para a família, a outra metade ia com o remeiro para seu sustento e para a compra de outras mercadorias para serem comercializadas por ele após retornar a viagem.

Segundo a historiadora do Museu Regional do São Francisco, Rosy de Souza Costa, o remeiro, pra não se sentir só ou em perigo criou figuras que davam explicações para aquilo que ele não conhecia ou que não poderia explicar de maneira científica.Como a lenda da Mãe D’água,ou a lenda do Minhocão. No entanto, por conta das crenças dos remeiros e ribeirinhos sobre as lendas, em meados de 1901, Francisco Biquiba dy Lafuente Guarany começou a fabricar diferentes versões de carrancas de madeira na região, para serem utilizadas nas proas das barcas dos remeiros, inspirando-se a principio, nas antigas navegações europeias.

Os remeiros do São Francisco colocavam em suas proas a carranca de madeira,uma figura com aspectos assustadores e sombrios, na intenção de mostrar que a carranca viu algo e amedrontar as entidades e espíritos ruins contados em suas lendas. Graças ao remeiros, a carranca chegou a regiões do médio do São Francisco e tornou-se uma espécie de amuleto, objeto de proteção e espiritualidade conhecido pelos ribeirinhos.

Nasce uma artista popular no sertão de Pernambuco:

Ana Leopoldina dos Santos nasceu em 18 de fevereiro de 1923, na cidade de Santa Filomena (PE). Desde os sete anos já ajudava sua mãe na confecção de louças, panelas e potes de barro, além de vender essas peças na feira. Viúva, com duas filhas e muito jovem casa-se novamente ao encontrar José Vicente, um homem carinhoso e atencioso que após muita insistência consegue ganhar o coração de Ana, mas a renda familiar não era suficiente no interior do sertão, por isso sua família acaba migrando para Picos no Piauí.

Com a seca que castigava o Nordeste naquela época, a situação financeira da família era difícil e ao ouvir sobre uma cidade no sertão de Pernambuco às margens do rio São Francisco e com grandes chances de crescimento, decidiram migrar para Petrolina nos anos 50. Foi em Petrolina através de uma conversa com barqueiros que Ana conheceu os artefatos, sentiu-se inspirada e começou a produzir carrancas feitas com barro. No inicio quando levava as peças de carranca para a feira não teve aceitação da população, mas foi descoberta por um jornalista e conhecida pelo mundo por seu trabalho inédito com barro. Ana começou a produzir carrancas aos 47 anos e aos 53 teve seu auge.

Artesã e Ceramista, Ana fez seu legado ao passar para suas obras sua identidade, furou os olhos das carrancas em homenagem ao seu marido, José Vicente, que era cego, suas obras vão de Caruaru à Paris. Por ser analfabeta aprendeu a desenhar as três primeiras letras do nome pela necessidade de assinar suas obras e todos os documentos que recebeu em sua homenagem em vida. Recebeu prêmios como, Patrimônio Vivo de Pernambuco, recebeu das mãos de um chefe da nação a medalha de honra ao mérito cultural. Ana é considerada até hoje por muita gente uma das maiores expressões artísticas da cultua popular.

A importância das lendas e das carrancas para cultura:
Hoje, as lendas e mitos que envolvem as carrancas, fazem parte da história de Juazeiro e Petrolina e são importantes para o estudo geográfico e social da formação ribeirinha. Como diz Rosy Costa.“Não se pode dizer simplesmente que é coisa do passado, que pode ser esquecido. Seria como tirar a história da vida das pessoas. Não é preciso acreditar ou aceitar, mas é preciso saber”.

Por meio do estudo das lendas,se conhece a região do São Francisco jamais de 400 anos. Por isso, para Rosy, as lendas são importantes para história cultural e regional e não devem deixar de ser contadas.  “Eu não questiono quem vê o Nego D’agua ou a Mãe D’agua. Eu bato palma. Porque é lenda, mas de alguma forma, em algum lugar, alguém viu alguma coisa”, afirma Rosy Costa.

Ao entrevistar quatro barqueiros para essa reportagem, apenas um conhecia as lendas e nenhum acreditava. Contudo, como aconselha Rosy, é conveniente que o povo conheça história e saiba as lendas, pra que elas continuem sendo contadas e existam no futuro. Porque se não há conhecimento delas, elas somem em uma das maiores manifestações culturais do Brasil, como a carranca, perde o valor e a importância. Como conclui Maria Rêgo, fabricante de carrancas de barro, atualmente conhecer é mais importante do que acreditar. E é conhecendo que se pertence ao lugar em que vive.

*Reportagem: Lays Paixão, Lafaiette Silva, Letícia Duarte, Paloma Cristina, Sheilane Beatriz e Vitória Marques.

*Alunos 4 período Uneb