Se for detectado metal pesado nos melões ou nas mangas produzidas no Vale do São Francisco, as exportações serão afetadas, diz pesquisador

Os efeitos do desastre ocorrido em Brumadinho, Minas Gerais, poderão ser sentidos pela população pernambucana. É o que temem pesquisadores da Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj), que estão realizando um estudo emergencial a partir de imagens de satélites para descobrir o alcance de uma provável contaminação da bacia do Rio São Francisco. O responsável pelo estudo e pós-doutor em risco de desastres pela Universidade de Buenos Aires (Argentina), Neison Freire, está avaliando os volumes em quilômetros quadrados e a velocidade de movimentação da lama. 

“Teremos a extensão da área de contaminação até determinada data. Saberemos se haverá possibilidade de atingir a bacia do São Francisco. Se houver contaminação lá, com certeza sentiremos aqui. Fatalmente o rio será contaminado. Procuramos agora o nível de contaminação. Mais cedo ou mais tarde isso chegará à foz, em Piaçabuçu, Alagoas”, explicou o pesquisador. A bacia está ligada a mais de 500 municípios 18 milhões de pessoas. Em Pernambuco, Neison demonstra preocupação especialmente com a produção frutiovinocultura de Petrolina.

“Os elementos dessa vez são mais pesados que os da barragem de Mariana, rompida em 2015. Por isso temos mais energia cinética (que dá velocidade à lama) e mais poder de destruição”, avalia. Ele lembra que a produção das cidades próximas ao rio São Francisco são abastecidas por ele. “Se for detectado metal pesado nos melões ou nas mangas produzidas em Petrolina, sem dúvida as exportações para a Europa serão afetadas. O problema vai do pescador, do pequeno produtor, até o grande latifundiário. Falamos de um rio que já é muito sofrido. Pela contaminação por esgoto, desmatamento, assoreamento.”

O sacrifício de uma usina hidrelétrica, a de Retiro Baixo, será necessária, segundo Neison, para conter a lama. O ministro do Desenvolvimento Regional, Gustavo Canuto, espera que os dejetos cheguem até Retiro Baixo entre 2 e 7 de fevereiro e já desligou suas turbinas. Mas, para o Governo Federal, a perspectiva de a lama chegar à bacia do Rio São Francisco é “baixa”.

O problema, contudo, não é a lama em si, mas os elementos químicos que se misturam na água, segundo o doutor em Oceanografia Biológica pela Universidade de São Paulo Clemente Coelho.  “Não veremos a parte física, aquela lama, mas sentiremos a partir do material diluído na água. E, mesmo se toda a lama fosse contida agora, esse material chegaria até o litoral através da cadeia de fauna e flora do rio São Francisco. Sentiremos de uma forma invisível. Isso acontece aos poucos, de médio a longo prazo.”

O diretor-presidente do Centro de Pesquisas Ambientais do Nordeste, Cepan, Severino Ribeiro, trabalhou na recuperação da bacia do Rio Doce, após o desastre da barragem de Mariana.  Ele reforça a impossibilidade atual de saber se o minério fino chegará à bacia, mas concorda que ele pode adentrar no rio muitos quilômetros.

“Uma série de variáveis, como o movimento do leito e a quantidade de metal pesado, definirá se sentiremos a contaminação aqui. Mas é preciso urgentemente evitar que a lama chegue às áreas de nascentes. O rio Paraopebas, já atingido, nunca mais será como antes, mesmo com muito trabalho.”

Folha Pernambuco