“Será que nós temos, de fato, gestão de recursos hídricos no Brasil?” O questionamento partiu do presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF), Anivaldo de Miranda Pinto, na mesa intitulada Superficial ou subterrânea, a água é a mesma? E a gestão? realizada na tarde desta segunda-feira (27 de novembro), durante a programação do 22º Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos (ABRH), no Centro de Eventos Centro-Sul, em Florianópolis (SC). Sob os olhares atentos de uma plateia formada por mais de 200 pessoas – entre pesquisadores, técnicos e estudiosos do tema, o presidente do CBHSF participou da discussão juntamente com o professor titular do Instituto de Geociências da Universidade de São Paulo (USP) e vice-diretor do Centro de Pesquisas de Águas Subterrâneas, Ricardo Hirata; o superintendente de Programas e Projetos da Agência Nacional de Águas (ANA), Tibério Magalhães Pinheiro e o doutorando em Hidrogeologia pela Universidade do Estado de São Paulo (UNESP), Roberto Kirchheim.
No início de sua apresentação, o presidente do CBHSF lançou indagações pontuais: “A gestão é suficiente para atingir o território de um país continental como o nosso e sensibilizar atores públicos, sobretudo num cenário que só se costuma valorizar três áreas centrais: educação, saúde e segurança?” perguntou. Na avaliação dele, a crise econômica passou a ser justificativa para colocar em segundo plano as pautas consideradas equivocadamente de “menor importância”, como a ambiental. Miranda chamou a atenção para o contexto de grande resistência à implementação de políticas públicas na área ambiental.
“A crise hídrica no Brasil é, sobretudo, resultante dos fenômenos naturais, ou é também uma crise de gestão? É uma questão talvez difícil de responder. Os dois fatores se retroalimentam”, considerou. Para ele, a crise de gestão hídrica é passível de modificação porque depende do nível de consciência que a comunidade como um todo, tem ou terá acerca da dramaticidade desta situação. Outra questão de fundo no debate atual, em sendo uma crise de gestão, é a tendência de concentrar o debate em torno da legislação. “O debate se aprofunda: a legislação é boa? Suficiente? Impõe-se a seguinte pergunta: será que, de fato, o problema está na legislação? Eu tenho uma convicção: a Lei 9.433 é um dos mais importantes legados do país, é como um roteiro de um filme, falta, de fato, fazer esse filme”, comparou. Por isso, Miranda alertou para a necessidade de muita cautela, porque essa lei é uma conquista, filha da constituição de 1988, absolutamente importante em um estado intolerante e herdeiro de concepções autoritárias e de ditaduras, na sua compreensão. A dificuldade dos estados em implementar essas questões embute uma outra questão: “o poder público no Brasil tem condições de fazer essa gestão?”, indagou.
A gestão ambiental tem de ser participativa, descentralizada e compartilhada. Esta é a defesa do presidente do CBHSF: “o estado, nem que colocasse todos os integrantes das forças armadas e policiais, nem assim daria conta do tamanho da complexidade e desafio que é monitorar a questão ambiental. É por isso que o poder público precisa dar à sua gestão um caráter participativo, descentralizado e compartilhado”, enfatizou, ao citar o caso do Ceará, como um modelo dos mais avançados que conhece. “Não adianta ser apenas uma questão coercitiva, não vai resolver. Nós vamos ter de criar espaços onde o compartilhamento e a descentralização possam acontecer. Os espaços onde isso acontecerá são os comitês. Muita gente acha que os comitês são ONG’s. É ali (nos comitês) que vamos construir os consensos para tornar a gestão de recursos hídricos possível. A nossa sociedade tem um grau de intolerância enorme, é afeita à arbitragem dos conflitos”, reconheceu.
Empoderar os Comitês de Bacias e estabelecer o diálogo no conflito da água são encaminhamentos necessários para estimular a cultura da tolerância e criação de consensos. Na opinião de Miranda Pinto, todos os interesses são legítimos na questão das águas, desde os do navegante aos do quilombola, da indústria à aquicultura. Mas, às vezes, são conflitantes. E só há uma maneira de resolver isso: com os espaços de diálogo, como os comitês. O Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco age em uma bacia marcada por contradições. “A nossa suposta elite acha que o semiárido brasileiro não serve para nada. Ali, na vegetação, poderemos ter soluções e respostas. Biomas como a caatinga e o cerrado estão sendo destruídos. Precisamos reverter. Defender a floresta amazônica é importante, mas os dois biomas (a caatinga e o cerrado) também. Interesses econômicos retrógrados e obsoletos não deixam que isso aconteça”, denunciou. Quando ocorre a seca na nascente de São Francisco é comum haver uma comoção, um temor de que o rio está morrendo, lembra Miranda Pinto. Mas parece ser uma questão pontual.
Criado em 2001, o comitê vem fazendo um trabalho exaustivo para tornar essa temática conhecida da opinião pública. De acordo com o presidente, isso é importante por uma questão central: o centro nervoso desse processo se chama aquífero Urucuia. O manancial subterrâneo exige a necessidade de se fazer novos pactos para garantir a gestão dos recursos hídricos. A proposta do CBHSF é promover ações em diferentes direções, como o pacto da legalidade. O entendimento é de que não adiantará nada empregar bilhões de reais se os instrumentos da gestão hídrica não forem implementados e a Bacia do Rio São Francisco é uma evidência disso: o sistema de outorga não é confiável, alerta Miranda Pinto. “A lei há mais de 20 anos sugere cobrar pelo uso da água. Se, em São Paulo, está começando agora, imaginem no território brasileiro. Precisamos fazer um pacto que finalmente tire da gaveta a lei 9.433, cujo filme precisamos rodar”, salientou ao mencionar à Lei Nacional de Recursos Hídricos, ou Lei das Águas.
O comitê quer estabelecer parcerias para estudar em que medida a utilização do aquífero está afetando na redução da vazão mínima em Sobradinho. Para o CBHSF, a questão do conhecimento é central. “Informação é poder. Uma sociedade que não tem domínio sobre a informação e o conhecimento, é completamente vulnerável”, afirmou, destacando a importância da comunicação no diálogo com a sociedade civil e na tentativa de colocar a pauta de recursos hídricos em todas as esferas. Encerrou a fala citando a transposição do Rio São Francisco, que já custou em torno de R$ 10 bilhões. “O poder público sozinho não vai resolver nada. Se os usuários não fizerem nada, estarão atirando contra eles mesmos” finalizou.
O CBHSF tem dado muita importância à necessidade de aprofundar o conhecimento sobre os recursos hídricos em geral para ter êxito nas ações. Nesse sentido, aproximou-se do Fórum das Instituições de Ensino Superior da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco, na promoção da 2ª edição do Simpósio Científico da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco, a partir de 3 junho de 2018, no campus da Universidade Federal do Sergipe, na região metropolitana de Aracaju.
Por Magali Moser Ascom CBHSF Foto: Rodrigo Sambaqui
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