Seja o "aprender a ler, para ensinar os camaradas", como versaram os compositores Roberto Mendes e José Carlos Capinam, seja "desaprender a ler, para aprender a ver, camará", como disse o poeta Henrique Freitas em livro de Landê Onawale, a obra Comunicação Antirracista: um guia para se comunicar com todas as pessoas, em todos os lugares propõe um encontro profundo com os leitores e um convite para reexaminar e desconstruir conceitos enraizados no processo da escravização e da violência racial.
Esse livro não se limita a ser uma ferramenta de comunicação; ele se posiciona como um testemunho da luta, da resistência e do legado ancestral que moldaram a comunicação e a vivência da população negra no Brasil.
Sua proposta é desconstruir os estigmas criados ao longo dos séculos e abrir espaço para uma nova forma de perceber e praticar a comunicação que valorize as histórias e as experiências negras.
Escrever sobre comunicação antirracista é um processo desafiador em um país onde a história é, muitas vezes, narrada a partir de uma perspectiva hegemônica. O livro trata de um enfrentamento com essa história oficial, que minimiza ou distorce a presença e a contribuição de pessoas negras. E o que torna a tarefa ainda mais complexa é a resistência que surge dentro da sociedade, que, muitas vezes, se mostra relutante em repensar suas práticas e comportamentos diante das questões raciais. Essa não é uma obra isolada, mas uma síntese das estratégias de reconhecimento da humanidade da população negra, a partir dos diferentes espaços nos quais a autora atuou e das experiências pessoais que moldaram sua visão.
Um dos principais desafios é o de estabelecer uma comunicação que ultrapasse as barreiras impostas pelo racismo estrutural. O racismo, como uma força invisível, se infiltra nas práticas comunicativas de diversas formas, desde os estereótipos veiculados pela mídia até a exclusão da narrativa negra em espaços acadêmicos, jornalísticos e culturais. Nesse sentido, o livro se propõe a questionar e redefinir as formas de comunicação. O conceito de comunicação antirracista desenvolvido exige uma desconstrução das narrativas dominantes, além da criação de novos caminhos que possibilitem a visibilidade e o reconhecimento das vozes negras, historicamente silenciadas, a partir de um olhar antiproibicionista, antipunitivista e anticapacitista.
A publicação explora a história da imprensa negra no Brasil, destacando sua resistência e luta por representatividade e dignidade. Mais de 190 anos de iniciativas, um exemplo de resistência e luta por representatividade e dignidade, criaram um espaço para a narrativa negra nas mídias e na sociedade, refletem o caráter resistente e estratégico dessa comunicação. O capítulo que foca na imprensa negra mostra como a mídia, historicamente, tem sido um campo de disputa pela verdade, pela justiça e pela equidade.
O que se encontra nas páginas da obra é o resultado de um processo de pesquisa e reflexão, mas também de muitos diálogos com outras pessoas, profissionais e ativistas, que entenderam a necessidade de se falar sobre o papel da comunicação na construção de uma sociedade mais igualitária. Mais do que um manual técnico, o livro procura abordar a comunicação antirracista de uma maneira prática, acessível a todos. Não se trata de um guia exclusivo para aqueles que trabalham diretamente com comunicação, mas para qualquer pessoa que entenda que a comunicação é uma das principais formas de expressão das nossas relações sociais e que, por isso, precisa estar consciente da sua responsabilidade.
A leitura não é apenas um convite à reflexão sobre o papel da comunicação no enfrentamento do racismo, mas uma convocação para que todas as pessoas, independentemente da profissão ou área de atuação, se engajem nesse processo. Comunicação antirracista não é um campo restrito a jornalistas, publicitários ou acadêmicos. Ela é, antes de tudo, uma prática cotidiana, uma atitude de quem entende que a comunicação, seja em palavras ou em imagens, tem o poder de construir ou destruir realidades.
Comunicação antirracista: um guia para se comunicar com todas as pessoas, em todos os lugares é para todas as pessoas que desejam compreender melhor o impacto da comunicação nas relações de poder, nas representações sociais e, principalmente, nas formas como podemos agir para que o racismo deixe de ser uma estrutura invisível que permeia nosso cotidiano. Uma obra para quem acredita que a mudança começa em nós mesmos, nas nossas atitudes, no modo como nos relacionamos e, acima de tudo, na forma como nos comunicamos.
Midiã Noelle, jornalista, escritora, mestre em cultura e cofundadora do Instituto Commbne
Foto ilustrativa Agencia Brasil
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