Entre a Punição e a Recuperação: um olhar crítico sobre a Maioridade Penal. É o texto da Aluna do curso de jornalismo da UNEB, Mariana Saturnino. Confira
É fato inegável a ineficiência do sistema prisional brasileiro, ainda assim, a discussão sobre a redução da maioridade penal sempre volta a repercutir. Os defensores dessa medida afirmam que a conjuntura atual aumenta a impunidade dos crimes e deixa os menores livres para cometê-los, elevando os índices de criminalidade. No entanto a discussão é mais complexa e tal medida apenas agrava a problemática, uma vez que as penitenciárias brasileiras são conhecidas como 'universidades do crime'. Seria muito mais eficaz investir na ressocialização e reeducação dos adolescentes, em vez de jogá-los em um ambiente de tortura e sobrevivência, que já se mostra ineficaz para adultos. A meu ver, o encarceramento de adolescentes não foi não é e nunca será a solução para a redução da criminalidade em nosso país. Precisamos pensar em estratégias para reorganizar e resolver a situação, ao invés de adotar métodos que mais parecem traduzir uma visão unilateral do problema.
Em primeira análise, é fundamental reconhecer que, no Brasil, a criminalidade está intimamente ligada a cor da pele e à vulnerabilidade econômica. Um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) aponta que jovens de famílias em situação de pobreza têm até 3,5 vezes mais chances de se envolver em atividades criminosas do que aqueles que vivem em condições mais favorecidas. Esses dados revelam que a marginalização social, frequentemente associada a questões econômicas e raciais, contribui de forma significativa para a perpetuação do ciclo de criminalidade. O impacto desproporcional sobre essas populações reflete, não apenas a violência estrutural que enfrentam, mas também as condições socioeconômicas que limitam suas oportunidades de acesso à educação, emprego e outros direitos básicos. Na minha visão, é essencial que o combate à criminalidade envolva ações para promover a equidade racial e melhorar as condições de vida das camadas mais pobres da sociedade, como o acesso à educação, alimentação, moradia e saúde. Somente ao enfrentar as causas sociais da criminalidade é que poderemos romper o ciclo de exclusão e violência, e oferecer alternativas reais para a população em situação de vulnerabilidade.
Ademais, é importante observar que poucos detentos se recuperam ou são aceitos na sociedade de forma igualitária e inclusiva após saírem da prisão. É o que revela os dados do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCESP), ao estimar que menos de 1% dos ex-detentos conseguem emprego no Brasil. Além disso, a pesquisa realizada pelo Departamento Penitenciário Nacional (Depen) estima que a reincidência criminal entre ex-presidiários seja de 37,6%.
Diante desses números, é inadmissível que nossa sociedade considere a redução da maioridade penal como uma solução para a criminalidade. Permitir que adolescentes menores de 16 anos sejam tratados como adultos no sistema penal significa condená-los a um futuro sem chances de ressocialização. Esses jovens, ao serem condenados e enviados para o sistema prisional, enfrentam não apenas a perda da fase crucial de seu desenvolvimento, mas também a estigmatização de "ex-presidiários" para o resto de suas vidas. Em um país onde já é difícil para homens e mulheres encontrarem uma oportunidade de reintegração, isso pode representar uma condenação ainda mais severa para os adolescentes.
O SISTEMA PENITENCIÁRIO BRASILEIRO-Os dados da pesquisa do TCESP E DO Depen mostram que o sistema penitenciário Brasileiro não reintegra, e as possibilidades de seguir no crime são muito maiores do que as de encontrar um trabalho honesto, ai surge a pergunta: Esse cenário pode reduzir os índices de criminalidade? Bem, no meu ponto de vista não! Já que ao serem privados de educação, apoio e inserção no mercado de trabalho, esses jovens acabam em um ambiente em que o "melhor" networking é com criminosos, na maioria reincidentes.
O sistema penitenciário do Brasil, longe de ser um local de reabilitação, acaba por ser uma escola do crime. Sendo assim, as possibilidades de um ex-adolescente infrator seguir neste caminho são muito maiores do que as de encontrar um trabalho honesto e com isso, o ciclo de violência e marginalização se perpetua. Além disso, a maioridade penal fixada aos 18 anos não promove impunidade em casos de crimes cometidos por adolescentes. O artigo 112 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) já prevê a aplicação de medidas socioeducativas para os menores que praticam atos infracionais. Essas medidas, como a liberdade assistida, a semiliberdade e a internação, têm o objetivo de promover a reabilitação e a reintegração social dos jovens, garantindo que, mesmo diante de infrações, haja um enfoque voltado para a educação e o desenvolvimento pessoal, em vez de ações meramente punitivas. As medidas socioeducativas buscam, principalmente, corrigir comportamentos por meio do aprendizado, do acompanhamento psicológico e da preparação para uma vida cidadã.
Nesse sentindo, acredito que a educação é um instrumento essencial para a redução da criminalidade, evitando que os adolescentes cheguem a ser encaminhados para medidas de ressocialização. A pesquisa de doutorado realizada por Kalinca Léia Becker na Universidade de São Paulo (USP) revela que, a cada 1% de investimento na área educacional, há uma redução de 0,1% no índice de criminalidade. A pesquisa foi dividida em dois ensaios. No primeiro, foram coletadas evidências de que a atuação pública na educação poderia contribuir para a redução do crime no médio e longo prazo, analisando o impacto do gasto público em educação na diminuição da taxa de homicídios, com base em dados dos Estados brasileiros entre 2001 e 2009.
No segundo ensaio, o estudo investigou os fatores do ambiente escolar e seu entorno que poderiam contribuir para a manifestação de comportamentos violentos entre os alunos, utilizando dados das Provas Brasil de 2007 e 2009. Esse estudo foi financiado pelo programa Observatório da Educação, em parceria com o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep) e a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). Os resultados evidenciam que a educação tem, de fato, o poder de transformar realidades. Ao reunir os estudos citados ao longo deste texto, reafirmo minha convicção de que a redução da maioridade penal para 16 anos não trará bons resultados para a sociedade. Por outro lado, acredito que o investimento em educação, como demonstram as pesquisas, vão trazer resultados positivos.
Em conclusão, a discussão sobre a redução da maioridade penal no Brasil revela uma abordagem superficial para um problema complexo e multifacetado. Em vez de buscar soluções que promovam a punição e a exclusão, é essencial investir em políticas públicas que priorizem a educação, a reabilitação e a inclusão social dos jovens. Assim, adotar medidas socioeducativas, conforme prevê o ECA, investir na educação pública e oferecer oportunidades de ingresso no mercado de trabalho me parece um caminho mais eficaz para enfrentar a criminalidade, proporcionando aos adolescentes a chance de um futuro mais digno e produtivo.
Jogar jovens em um sistema prisional ineficaz não apenas perpetua o ciclo de violência e condena esses jovens a criminalidade, mas também compromete o futuro da sociedade como um todo. É necessário, portanto, repensar nossas estratégias e priorizar a construção de um ambiente que permita a verdadeira ressocialização, assegurando que nossas crianças e adolescentes possam se desenvolver plenamente, longe do crime.
0 comentários