Escreveu o velho Marx, em 18 de Brumário: “a história acontece duas vezes. A primeira vez, como tragédia; a segunda, como farsa.”
Para além de toda a complexidade que tal afirmativa possa implicar, tomo aqui a liberdade (liberdade e ousadia) de aplicá-la ao episódio de Canudos, estabelecendo a conexão deste com a conjuntura brasileira.
Nesta perspectiva, diríamos que Canudos foi uma das principais vítimas da polarização política, que, a exemplo do que hoje ocorre, dividia o país naquele final do século XIX, como consequência de uma sucessão de golpes de Estado patrocinados pelas elites políticas e econômicas.
Se hoje vivemos em um país dividido, num processo de polarização dos mais exacerbados da história, devemos buscar as causas para tal também na sucessão de golpes – ou tentativas de golpes – que se operaram nos últimos tempos.
Transcorridos tantos anos da morte de Antônio Conselheiro (fato ocorrido no dia 22 de setembro de 1897, em plena guerra fratricida), é necessário que reafirmemos nossa crença nos ideais que nortearam a vida e as ações dos heroicos habitantes do Belo Monte.
E assim conseguiremos superar, entre outras coisas, a cultura do ódio e da intolerância que ora teima em ditar sua pauta perversa, conduzindo não poucos ao radicalismo cego e doentio que não só afronta as instituições da democracia como atenta contra o dom precioso da vida, cuja preservação deveria ser prioridade de todos, independentemente de qualquer preferência política, religiosa ou ideológica.
Sirva o caso de Canudos e do Conselheiro para ilustrar o quanto o ódio de classe e, com ele, a desinformação, o desrespeito à vida, a aversão ao diferente, enfim, a injustiça em todas as suas formas e manifestações, podem muitas vezes levar a desfechos os mais diferentes e catastróficos possíveis – a história não nos deixa mentir.
No momento em que se comemoram os 130 anos de fundação do arraial de Canudos – ocorrido em 1893 –, seja a experiência comunitária do Conselheiro nosso exemplo e nossa esperança.
José Gonçalves do Nascimento
Escritor
1 comentário
13 de Sep / 2023 às 08h38
Verdade. Vivemos no permanente pretérito sem deixar um futuro de justiça social nascer