Ser pai e conseguir acompanhar o crescimento do bebê eram alguns dos maiores sonhos do sargento Valdi Barbosa, de 40 anos, que conseguiu, de forma inédita, seis meses de licença-paternidade na Polícia Militar de Pernambuco.
Para concretizar o desejo, ele, que atua há 14 anos na corporação, e o esposo, o professor de inglês Rafael Moreira, de 41, optaram pela fertilização in vitro, com barriga solidária.
Juntos há quase 11 anos, foi no ano de 2020 que a ideia de ter uma criança aumentou e o casal passou a pesquisar alternativas.
"Eu só via a barriga de aluguel no exterior, e o caso mais conhecido foi o de Paulo Gustavo [ator e comediante], mas eu não tinha dinheiro pra fazer. Pesquisando, eu vi que aqui no Brasil eu poderia fazer com uma barriga solidária", afirmou Valdi.
A barriga de aluguel é o termo usado quando uma mulher aluga o próprio útero para gerar o bebê de outra pessoa, mediante pagamento. Já no caso da barriga solidária, a mulher empresta, de maneira voluntária, o útero para gerar a criança.
O casal mobilizou familiares, e a esposa de um primo do sargento foi a primeira a se voluntariar a ser barriga solidária. Foi realizada a fertilização in vitro com dois embriões, mas não deu certo.
"A gente perdeu tudo. É um procedimento caro e que gerou prejuízo financeiro e psicológico. Como a gente só teve dois embriões, perdemos tudo fiquei muito abalado, chorei". afirmou Valdi.
Diante da situação, a irmã do sargento, Rosilene, se ofereceu para ser barriga solidária. "A gente ficou muito feliz e teve que trabalhar, juntar dinheiro de novo para fazer uma nova fertilização in vitro, começar do zero".
Durante um novo procedimento, os embriões, que foram gerados a partir de espermatozoides do sargento Valdi e óvulos de uma doadora anônima, sem vínculo genético, foram colocados em Rosilene, na época com 42 anos.
Foi na segunda tentativa de Rosilene que o casal recebeu a confirmação que a fertilização havia sido realizada com sucesso. A irmã de Valdi gerou em seu ventre a tão aguardada Sofia.
Valdi contou que, além da primeira dificuldade de encontrar a barriga solidária, também teve que lidar com pessoas preconceituosas, que julgavam a irmã dele por ter feito o processo.
"Ser barriga solidária é um ato de amor muito grande, mas minha irmã também enfrentou comentários maldosos, preconceito. As pessoas dizendo que era incesto. O pessoal não entende e prefere criticar, não tinha vínculo genético nenhum", lamentou o sargento.
Rosilene se tornou a "tia cegonha" e, segundo o casal, sempre foi consciente do papel e importância dela na geração de Sofia. "A gente não teve nenhum problema em relação a isso", disse Valdi.
Pedido de licença-paternidade-Quando a irmã dele estava com três meses de gestação, o sargento entrou em contato com os superiores para falar sobre o desejo pela licença.
"Disseram para entrar com requerimento administrativo e que, provavelmente, ia ser negado, porque não existia em Pernambuco um policial militar que tenha conseguido essa licença paternidade, um policial militar gay, casado com homem".
O pedido passou por várias instâncias da polícia, pela Secretaria de Defesa Social e também pela Procuradoria Geral do Estado, na qual foi negado.
“Foi quando eu entrei com a ação judicial no começo de junho de 2022. Sofia nasceu no dia 27 do mesmo mês e eu peguei 20 dias de licença. Depois desse prazo, eu tive que voltar a trabalhar porque a sentença não tinha saído. Eu ainda trabalhei dois plantões e pedi minhas férias, aí eu tirei férias e, na metade delas, saiu a sentença favorável pela Justiça".
“Foi uma alegria muito grande, porque a gente abriu precedentes como primeiro caso no estado de Pernambuco e acredito que no Brasil, para que outros casais homoafetivos masculinos que tenham vontade de construir família saibam que têm esse direito. Se a gente conseguiu, outros também podem conseguir”.
Após o fim da licença do sargento, o casal optou por contratar uma amiga de infância para ser a babá de Sofia e auxiliar quando ambos estiverem trabalhando.
Os pais de Sofia, atualmente com um ano e dois meses, também criaram um perfil no Instagram (@somos2pais) para compartilhar a rotina e o crescimento da pequena.
"O objetivo maior é representatividade. A gente tem um feedback muito positivo porque muita gente chega para falar que sonha em ter uma família assim", explicou Valdi.
No início de agosto deste ano, a presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Rosa Weber, suspendeu o julgamento da ação que discute se há omissão do Congresso em elaborar uma lei que vai regulamentar a licença-paternidade.
A ação pede que a Corte determine prazo para o Legislativo definir as regras do benefício, como o número de dias de licença, por exemplo. O caso estava em análise desde o dia 30 de junho, e a votação seria concluída no último dia 7. Ainda não há prazo para o assunto voltar a ser discutido
Folha PE
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