A identidade de uma comunidade tradicional se baseia em sua ancestralidade e em seus saberes populares. Estes elementos foram apresentados pelas/os jovens do distrito de Laje dos Negros, de Campo Formoso-BA, durante um estágio realizado no Centro de Formação Dom José Rodrigues, em Juazeiro, entre 18 e 20 de outubro. As/Os estudantes puderam relatar suas lutas, dúvidas e sua realidade, debatendo assuntos relacionados às suas vivências.
No primeiro dia, o grupo de 21 estudantes do Colégio Estadual Quilombola Luís José dos Santos, foi provocado sobre o que são as políticas públicas de Convivência com o Semiárido, numa trilha pedagógica que apresenta técnicas e tecnologias apropriadas à região, como os sistemas de saneamento rural com reúso na agricultura, uma das necessidades das comunidades, segundo os relatos de alguns das/dos participantes. Os visitantes conheceram, dentre outros, o barreiro trincheira, a cisterna de produção, exemplos de sistemas de captação e tratamento de água da chuva, canteiros econômicos e áreas de Recaatingamento.
Ao abordar o tema da organização da sociedade, as/os estudantes perceberam como é dada a construção do sistema político atual, denominado democracia representativa. Seguindo essa linha, relataram o que mais gostavam e o que achavam ruim na comunidade. Muitos delas/es citaram a violência como uma preocupação e o racismo. Outro problema apontado foi a desigualdade na distribuição da água (ao apontar a dificuldade de acessar água potável) e da poluição causada pelo agronegócio e pela falta de saneamento, algo que causa indignação na jovem Jaiane Nascimento. “Nós temos o direito de cobrar as políticas públicas”, reclama a estudante.
As/Os jovens contaram que o quilombo surgiu quando um dos primeiros moradores se refugiou na região após escapar do trabalho escravo em uma fazenda. Se tornou abrigo para pessoas que procuravam se libertar do sistema escravocrata, que reuniam recursos e vinham de outros lugares para comprar lotes de terra na região.
No segundo dia de formação, o debate pautou temas como terra e território, relação de gênero, acesso à água, à educação e programas de Assessoria Técnica e Extensão Rural - Ater, específica para comunidades quilombolas.
Ao falar sobre significado de Convivência com o Semiárido, o estudante Atevaldo Júnior diz que “o Semiárido é um lugar diversificado”. Já Ana Vitória, também estudante, defende que “devemos valorizar a Caatinga e reconhecer o valor do Semiárido”, podendo então perceber a mudança da imagem estereotipada da nossa região reforçada constantemente nos grandes veículos de comunicação, o que pode dar lugar à riqueza de saberes e produções das comunidades.
O debate sobre produção envolveu animais adaptados ao Semiárido, com orientações sobre manejo alimentar e sanitário de caprinos e ovinos, incluindo observações sobre as instalações, formulação de sal vermífugo e ração com plantas da Caatinga. O estudo seguiu com a discussão sobre a importância das sementes crioulas e prejuízos causados pelos transgênicos, técnicas de compostagem e composição do solo.
No último dia de estágio as/os estudantes relembraram experiências boas e ruins nas suas vidas escolares, algumas bastante marcantes como um episódio de racismo sofrido durante os jogos escolares na Sede de Campo Formoso. As/Os jovens relataram que reagiram e protestaram contra os insultos, representados nos gritos de “macaco” e nas bananas atiradas contra eles. O jovem Atevaldo Junior destaca a luta do povo negro em sua fala. “Quilombolas são povos que lutaram e batalharam para conseguir seus direitos”, relata o estudante.
A partir de textos de Paulo Freire as/os estudantes explanaram seu entendimento sobre alguns pontos norteadores propostos no estágio. “A sociedade dita o que a gente tem que ser e não o que a gente quer ser”, aponta o estudante Leonardo Carvalho, após estudo de texto do livro Educação e Mudança. Atevaldo complementa dizendo que “a gente é representante de quem ficou para trás”, fazendo uma interrelação com outro texto do patrono da educação brasileira.
O diálogo ressaltou a importância de uma educação que liberta e que faz com que os sonhos sejam palco de conquistas e de uma luta por justiça e igualdade.
A última parte do estágio foi dedicada à análise da comunicação, levando em consideração a evolução dos meios, a distorção da realidade, influências da mídia nas crenças da população, dentre outros. As/Os jovens refletiram sobre a importância de comunicar de forma contextualizada e de dar voz ao povo do Semiárido.
Emily Silva (estagiária no Eixo Educação e Comunicação do Irpaa)
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