Um seminário nesta terça feira (26) marcou a criação de um centro de estudos que busca construir uma ponte entre dois setores com histórico conflituoso no Brasil: formuladores de políticas ambientais e autoridades de defesa.
Capitaneado por Raul Jungmann (ex-ministro da Defesa), pelo general da reserva Sérgio Etchegoyen (ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional) e por Marcelo Furtado (ex-diretor do Greenpeace Brasil), o Centro Soberania e Clima quer encontrar pontos de convergência entre os dois setores.
Nascido a partir de uma série de seminários que alguns integrantes do grupo realizaram desde 2018, o novo think-tank declara como objetivo "incentivar e promover o diálogo sobre os temas da soberania, da segurança, das mudanças climáticas, do desenvolvimento sustentável e da justiça social de forma articulada e convergente".
Essa busca de diálogo surge em momento tenso, no qual as forças armadas sofrem muita crítica por terem falhado em reduzir a devastação da Amazônia nos últimos três anos. A presença da Força Nacional de Segurança na região sob a operação de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), vista como ação isolada e pouco coordenada com os órgãos de fiscalização ambiental, comprometeu o diálogo entre militares e ambientalistas no período.
Entretanto, segundo Jungmann, que é presidente do novo centro, as pautas desses dois grupos têm muito em comum, sobretudo quando se trata de ameaças à segurança trazidas pela mudança climática, que extrapola o território nacional.
— A crise climática não obedece fronteiras e não se limita por território. E o aumento dela fez com que a questão da soberania e a do clima se aproximassem. Essa aproximação é imperativa — afirma o ex-ministro.
— O que a gente mais espera com o centro é exatamente convergir posições sobre soberania e crise climática buscando impactar positivamente políticas públicas para o meio ambiente. Obviamente, no Brasil um eixo central dessa questão passa pela Amazônia — completa.
Ele realça que a discussão da soberania passa também pelo campo da diplomacia, porque o Brasil compartilha a Amazônia com outros sete países. — E não tem como resolver a questão da Amazônia apenas no espaço nacional. Seria muito importante a retomada do pacto amazônico que o Brasil liderou no passado. Esses países precisam voltar a se reunir para uma atuação conjunta — diz.
Para Jungmann, o fracasso da GLO na Amazônia se deve a um subfinanciamento das operações ali e da falta de coordenação. — Precisamos, sim, das Forças Armadas, efetivamente e com condições de fazê-lo, mas não com exclusividade sobre esse tema. As Forças Armadas são tão importantes quanto os órgãos ambientais, os órgãos de comando de controle, as polícias estaduais e os acordos ou parcerias internacionais — completa.
Para Furtado, a criação do novo centro de estudos busca um reconhecimento mútuo entre esses atores.
— Em todos os processos, quando você vai tentar fazer diálogo entre partes que não se conhecem ou têm um histórico de ausência de diálogo, você precisa começar tentando criar um espaço de confiança — diz o ambientalista.
Furtado, que é um dos fundadores da Coalizão Brasil Clima Florestas e Agricultura, já tem experiência em promover o debate dos ambientalistas com outro grupo onde há algum antagonismo: o do agronegócio. Segundo ele, há princípios que são similares na construção dessas duas pontes.
— Outro ponto importante é buscar convergências, pontos onde essas coisas podem se encontrar e fazer sentido. A gente faz isso num ambiente onde é esse diálogo é orientado pela ciência e dentro de um espaço democrático, que é fundamental para que as pessoas possam livremente expor as suas ideias — diz.
Para atingir esse objetivo, o centro buscou uma composição diversificada. Outros dois militares integram a equipe são o brigadeiro Jose Hugo Volkmer e o coronel Newton Raulino, oficiais da reserva. Da sociedade civil integra o centro também o advogado Gabriel Sampaio, da ONG de direitos humanos Conectas.
Uma pessoa chave na articulação para criar o novo centro foi a economista Ana Toni, diretora-executiva do Instituto Clima e Sociedade, ONG que atua promovendo diálogo e levantando fundos para projetos ambientais no Brasil. O Centro Soberania e Clima tem apoio de duas figuras de peso do setor financeiro no Brasil, Neca Setúbal, do grupo Itaú Unibanco, e Armínio Fraga, ex-presidente do Banco Central, além da ambientalista Teresa Bracher.
Para Toni, que é conselheira do novo centro, um dos objetivos será mostrar que existe uma sinergia natural em solucionar problemas de soberania e de clima no Brasil. Grande parte das atividades que hoje promovem a deterioração ambiental são ilegais, incluindo a maior parte do desmatamento e o garimpo.
— Precisamos mostrar um pouco a complexidade de lidar com o tema de segurança na Amazônia. Eu digo segurança, porque a gente tem que pensar que soberania não acaba na fronteira, e também se estende para dentro do território — afirma. — Acho que isso é uma preocupação geral: como assegurar a lei e a ordem na Amazônia. Isso é essencial para qualquer governo que venha.
O seminário online que marca a criação do centro ocorre nesta terça-feira às 13h, com link de transmissão no site soberaniaeclima.org.br.
O Globo
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