O Dia Nacional de Conscientização sobre o Autismo foi celebrado na última sexta-feira (2). Diante do cenário de pandemia, a data, que tem objetivo de sensibilizar a sociedade sobre os aspectos que envolvem pessoas com Transtorno de Espectro Autista (TEA), pode gerar ainda mais reflexão. Há um ano, o país vive um contexto atípico que pode ser ainda mais difícil para essa parcela da sociedade.
O autismo é um transtorno no desenvolvimento neurológico caracterizado por dificuldades, em maior ou menor grau, na comunicação, na interação social e no comportamento, que segue um padrão restrito e repetitivo. Ainda não se conhecem as causas, mas acredita-se que o TEA é multifatorial, com aspectos genéticos e ambientais (relacionados ao período gestacional).
De acordo com CDC (Center of Deseases Control and Prevention), agência do Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos Estados Unidos, uma em cada 54 pessoas é diagnosticada com espectro autista naquele país. No Brasil, ainda não há dados oficiais sobre o autismo.
Em 2007, a Organização das Nações Unidas (ONU) escolheu o dia 2 abril para a comemoração do Dia Mundial da Conscientização do Autismo. Dez anos depois, a data passou a ser oficialmente celebrada também no Brasil, pela Lei 13.652, de 2018, proposta do senador Flávio Arns (Podemos-PR).
— É preciso, permanentemente, ampliar a conscientização da sociedade sobre a necessidade de concretização de direitos e superação de desafios para que as pessoas com autismo estejam plenamente incluídas em nosso país e que encontrem oportunidades para o seu desenvolvimento, seja na educação, na saúde, no mundo do trabalho e em todas as áreas. Essa luta deve ser de todos nós — disse Flávio Arns em entrevista à Agência Senado.
No ano passado, o Senado aprovou 18 de junho como o Dia Nacional do Orgulho Autista. Para o autor da proposta, senador Romário (Podemos-RJ), a data é uma forma de marcar o autista na nacionalidade brasileira.
Presidente da Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH), o senador Humberto Costa (PT-PE) destacou outra razão importante para escolher um dia do ano que marque essas ações.
— As datas servem como espaço importante para conscientização da população, quanto a existência do espectro autistas, da inclusão dessas pessoas na educação e no trabalho, de atenção integral à saúde e de outras atividades pertinentes. A Comissão de Direitos Humanos estará atenta e à disposição para auxiliar no diálogo e cobrar que a lei seja cumprida — disse Humberto Costa à Agência Senado.
As pessoas com Transtorno de Espectro Autista desenvolvem características singulares. Além do grau, que pode variar de leve a grave, cada área (comunicação, interação social e comportamento) afetada se comporta de forma diferente. Por isso, nenhum caso é igual ao outro.
— Tem sido muito desafiador. Eu tenho dois autistas em casa e eles são totalmente diferentes um do outro. Nenhum autista é igual, aprendemos muito isso ao longo da nossa jornada — confirma Fernanda Fontenelle, mãe de Davi (10 anos) e Helena (2 anos), ambos autistas.
Durante a pandemia, o filho mais velho passou a ficar mais ansioso e precisou começar a tomar medicação.
— Para o Davi, essa questão de ficar muito preso, quebra de rotina e adaptação trouxe uma carga de ansiedade maior do que já existia — relata a representante farmacêutica.
Motivada pelo filho, Ana Gulias trocou a profissão de geógrafa pela de psicopedagoga. Há dois anos, ela atende crianças, em especial, autistas. Mãe de Sara (18 anos) e dos gêmeos Pedro e Leonardo (9), Ana descobriu que Leonardo tinha autismo grave antes que ele completasse 2 anos.
— Antes de autista, ele é o Leonardo. Ele não é o autismo, ele tem autismo — diz a mãe, que o descreve como um menino carinhoso, participativo e brincalhão.
De acordo com Ana Gulias, Leonardo gosta de sair de casa e de estar em meio a outras pessoas.
— Talvez não seja [como] uma criança de 9 anos, mas posso dizer que ele é uma criança esperta de 5 — completa.
Já a Luísa (10 anos), filha da psicóloga Andreia Goretti, sente mais dificuldade ao socializar com outras pessoas. Isso, aos poucos, tem sido superado. No entanto, para a psicóloga, a falta de socialização durante a pandemia pode ter prejudicado o progresso.
— É difícil explicar [a ela] por que uma rotina tão bem definida mudou. Quando pequena, a Luísa não tocava e não dava a mão para ninguém. Eu passei anos estimulando minha filha nessas questões de carinho e afetividade. De uma hora para outra, eu digo que não pode mais — lamenta.
Apesar das diferenças, a psicopedagoga Mara Rubia Martins explica que manter a rotina é ponto fundamental para a maioria dos autistas.
— Eles têm facilidade em fazer mais ou menos as mesmas coisas, nos mesmo horários, do mesmo jeito. Com essa questão da pandemia, a rotina mudou radicalmente. Muitos têm terapias com psicólogos, fonoaudiólogos, psicopedagogos, e às vezes não estão tendo todas essas consultas, ou estão sendo feitas virtualmente, em uma nova estrutura — explica a mestre em psicologia e doutoranda em ciência da informação.
Durante o período de quarentena, as famílias e as equipes pedagógicas tiveram que criar alternativas para manter essa rotina.
— Com a quarentena, as famílias tiveram que se adaptar e criar alternativas, muitas vezes em parceria com as escolas e terapeutas, para que essa rotina fosse de certa forma mantida. Um desafio enorme se considerarmos que essa adaptação demanda disponibilidade para que os pais se dediquem a essas atividades, acesso à internet e apoio supervisionado dos profissionais que atuam na área. Sabemos que no Brasil, nem sempre essas condições estão disponíveis — observa o senador Flávio Arns.
Contudo, o que não falta é criatividade dos pais para implementar as atividades no dia a dia das crianças. Fernanda Fontenelle, por exemplo, tenta inovar para entreter o filho.
— O Davi é muito doce. Quando ele está muito cabisbaixo ou impaciente, nós propomos algo diferente. Agora, por exemplo, eu estou brincando com ele de gincana. Eu coloco tarefas para ele, inclusive de estudo e disciplina. Está dando super certo — diz, explicando que o menino e a irmã Helena continuam com as terapias em casa, de acordo com a necessidade de cada um, as atividades envolvem terapia ocupacional, fonoaudiologia, fisioterapia, psicologia e psicomotricidade.
Enquanto isso, a menina Luísa, filha de Andreia Goretti, ganhou uma nova tarefa: cuidar dos dois cachorros e dois coelhos da casa. Segundo a mãe, essa é uma forma de ensiná-la a ter responsabilidade.
Uma das principais mudanças na rotina das crianças foi a substituição das aulas presenciais para o ensino remoto. Apesar de várias escolas terem voltado para o presencial, muitos pais optaram por continuar o ensino em casa, a fim de evitar a contaminação. Para a psicopedagoga clínica, Mara Rubia Martins, que há 20 anos trabalha com estudantes com espectro autista, o formato exige o diálogo constante entre as escolas e os pais.
— Neste momento, as famílias são as executoras maiores do planejamento da equipe pedagógica. O ideal é que as escolas entrem em contato com as famílias e façam um questionário básico sobre as condições tecnológicas e familiares, além das características individuais de cada aluno. Assim como cada autista é um, o ensino também é individualizado — ressalta.
Outro ponto importante levantado pela psicopedagoga é o contexto familiar de cada aluno.
— Quando o estudante está em casa, nós dependemos do tempo da família, de quem pode o acompanhar, da tecnologia. São vários fatores que podem interferir na qualidade [do ensino], mas, de qualquer forma, o que nós orientamos é que os professores estejam sempre em contato com a família, que é quem dará a base que nós precisamos. Sempre precisamos adequar a necessidade de cada um — aconselha.
Andreia Goretti relata que, durante a pandemia, a rotina instável para os estudos é o maior desafio de sua filha Luísa. Isso porque ambos os pais trabalham e a menina precisa de tempo para absorver os conteúdos. Além disso, a tecnologia, muitas vezes, provoca distrações.
— É uma dificuldade muito grande. Ela enxerga as coisas de um modo muito diferente, então temos que explicar no concreto, fazer experimentos. Antes, quem fazia isso era a escola e, em casa, nós fazíamos o acompanhamento. Agora, nós fazemos tudo — afirma.
Davi também não conseguiu se adaptar ao formato on-line. Fernanda conta que o filho também tem déficit de atenção. Por isso, os conteúdos enviados pela escola são estudados com o auxílio de uma professora particular que o acompanha desde a alfabetização.
Agencia Senado
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